A leva de filmes é pequena, porém relevante. Alguns dos campeões do cinema argentino da temporada 2016/2017 estão chegando às salas brasileiras. Sexto colocado nas bilheterias no ano que passou, Inseparáveis é a estreia desta semana. Na próxima, entra em cartaz Neve negra, a produção local mais vista naquele país na primeira metade de 2017. E o premiado O cidadão ilustre (quarto mais visto de 2016), sátira ao argentino conservador, já está em sua quarta semana de exibição no Brasil.
As narrativas não têm absolutamente nada em comum. Mas os elencos, sim. Além de serem os atores mais conhecidos daquele país, os protagonistas dos três filmes (Ricardo Darín, Leonardo Sbaraglia e Oscar Martínez) estiveram (mas não contracenaram) em Relatos selvagens (2014), a maior bilheteria da história do cinema argentino.
Inseparáveis, de Marcos Carnevale, é o mais despretensioso dos filmes. Trata-se da versão argentina de Intocáveis (2011), o arrasa-quarteirão francês sobre o homem que vive à beira da marginalidade que se torna enfermeiro de um rico tetraplégico (e a relação muda definitivamente a vida de ambos). O filme argentino se antecipa à terceira releitura da mesma história real. Está previsto para 2018 o lançamento de Untouchable, produção americana com Bryan Cranston e Kevin Hart.
Se o Intocáveis original era uma comédia dramática, com o tetraplégico vivido por François Cluzet como um homem deprimido diante de sua situação, a versão argentina aposta na comédia rasgada. Oscar Martínez (também protagonista da comédia de humor negro O cidadão ilustre) é Felipe, milionário portenho relegado à cadeira de rodas depois de uma queda do cavalo.
Já na primeira cena o vemos com seu “enfermeiro” Tito (Rodrigo de la Serna, conhecido do público brasileiro como Alberto Granado, o amigo de Che Guevara em Diários de motocicleta, de Walter Salles). Os dois saem em disparada num carrão pelas ruas de Buenos Aires e acabam fugindo da polícia.
O filme francês mostrava a evolução da relação entre os dois homens e a dificuldade de adaptação nos primeiros momentos. O argentino não traz nenhum atrito. De la Serna rouba a maior parte das cenas, algumas até com ares de pastelão. É o típico picareta de bom coração. Ao mesmo tempo deslumbrado com a vida de rico, ele não se verte frente ao poder.
A adaptação, ainda que consiga suscitar gargalhadas, está aquém do filme original. Não acrescenta nada ao Intocáveis francês, produção que ainda está muito fresca na cabeça dos espectadores.
TRAGÉDIA Neve negra, dirigido por Martin Hodara, chega no dia 8 ao Brasil depois de levar 700 mil argentinos aos cinemas no início deste ano. Pela primeira vez, Darín e Sbaraglia estão contracenando. A narrativa, produção hispano-argentina, é um thriller dramático ambientado em uma região remota da Patagônia.
Darín, que sofreu uma grande transformação física para o papel, é Salvador, o mais velho de quatro irmãos criados num local gelado. Vive sozinho na cabana da família. Morando há 30 anos na Espanha, o segundo irmão, Marcos (Sbaraglia), volta à Patagônia com a mulher Laura (a espanhola Laia Costa) quando o pai morre. Encontra a irmã, Sabrina (Dolores Fonzi), internada em um hospital psiquiátrico.
Marcos não viajou apenas para o funeral do pai. Uma mineradora está oferecendo milhões de dólares pelas terras da família. Só que ele tem que convencer o estranho Salvador a aceitar a venda. O encontro dos dois vai trazer à tona a tragédia que arruinou essa família. A morte do irmão caçula, ainda na infância, é o detonador de tudo.
Na trilha dos bons thrillers argentinos – como Os segredos dos seus olhos (2009) e Nove rainhas (2000), esse último teve Martin Hodara como assistente de direção –, Neve negra traz um desfecho surpreendente. Mas o impacto é menor do que o esperado.
Produção extensa
Em número de produções, a Argentina bate o Brasil. Em 2016, 199 longas argentinos chegaram aos cinemas daquele país. No Brasil, as produções nacionais foram 143. Só que a proporção de público é menor. Na Argentina, 11 longas lançados no ano passado atingiram mais de 100 mil espectadores (e somente um fez mais de 1 milhão). Por aqui, os sete primeiros colocados venderam mais de 1 milhão de ingressos. Só Os dez mandamentos teve 11 milhões de espectadores.
Três perguntas para...
Martin Hodara
diretor de Neve negra
Seu longa anterior, O sinal (2007), foi codirigido com Ricardo Darín. Como foi dirigi-lo agora, depois da experiência de tê-lo atrás das câmeras?
Somos muito amigos, ele foi o primeiro a ler o roteiro. Quando terminou, a primeira coisa que disse foi que queria ser Salvador. No começo, estava um pouco temeroso. ‘Como agora você é o diretor, se fizer alguma coisa que não goste você pode me cortar’, disse, brincando. Ricardo sofreu uma transformação grande, pois Salvador é um homem que vive em lugar nenhum em condições bem difíceis. Começamos a trabalhar o personagem a partir da imagem do ‘homem que não tem espelho’.
Em Neve negra, você dirige os dois atores argentinos mais conhecidos da atualidade. A maneira de trabalhar de Darín e Sbaraglia é muito diferente?
Os dois são muito próximos, como um irmão mais velho e um mais novo. Há muito tempo esperavam para trabalhar juntos. Como ator, Ricardo é mais natural, intuitivo. Leonardo precisa de mais informações do personagem para construí-lo. São duas maneiras distintas de serem grandes atores.
A Patagônia do filme é, na verdade, os Pirineus, na Espanha. Foi difícil filmar na neve?
Como Neve negra é uma coprodução com a Espanha, tivemos que filmar lá e na Argentina (as cenas internas foram rodadas em Buenos Aires). Leo e Ricardo estavam livres em fevereiro e março do ano passado. No Sul, não temos neve nessa época, então fomos para a Espanha. Filmar na neve não é tão ruim. Filmar na praia, que muita gente acredita ser ótimo, é a pior coisa do mundo, a areia atrapalha muito. Foi difícil filmar nas montanhas, mas não terrível. A pior parte é você não ter controle sobre a natureza. Se chove à noite, no dia seguinte tem mais neve. O dia pode estar nublado e meia hora depois pode abrir o sol. A mudança de humores da natureza foi a parte mais complicada, mas só isso.
As narrativas não têm absolutamente nada em comum. Mas os elencos, sim. Além de serem os atores mais conhecidos daquele país, os protagonistas dos três filmes (Ricardo Darín, Leonardo Sbaraglia e Oscar Martínez) estiveram (mas não contracenaram) em Relatos selvagens (2014), a maior bilheteria da história do cinema argentino.
Inseparáveis, de Marcos Carnevale, é o mais despretensioso dos filmes. Trata-se da versão argentina de Intocáveis (2011), o arrasa-quarteirão francês sobre o homem que vive à beira da marginalidade que se torna enfermeiro de um rico tetraplégico (e a relação muda definitivamente a vida de ambos). O filme argentino se antecipa à terceira releitura da mesma história real. Está previsto para 2018 o lançamento de Untouchable, produção americana com Bryan Cranston e Kevin Hart.
Se o Intocáveis original era uma comédia dramática, com o tetraplégico vivido por François Cluzet como um homem deprimido diante de sua situação, a versão argentina aposta na comédia rasgada. Oscar Martínez (também protagonista da comédia de humor negro O cidadão ilustre) é Felipe, milionário portenho relegado à cadeira de rodas depois de uma queda do cavalo.
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O filme francês mostrava a evolução da relação entre os dois homens e a dificuldade de adaptação nos primeiros momentos. O argentino não traz nenhum atrito. De la Serna rouba a maior parte das cenas, algumas até com ares de pastelão. É o típico picareta de bom coração. Ao mesmo tempo deslumbrado com a vida de rico, ele não se verte frente ao poder.
A adaptação, ainda que consiga suscitar gargalhadas, está aquém do filme original. Não acrescenta nada ao Intocáveis francês, produção que ainda está muito fresca na cabeça dos espectadores.
TRAGÉDIA Neve negra, dirigido por Martin Hodara, chega no dia 8 ao Brasil depois de levar 700 mil argentinos aos cinemas no início deste ano. Pela primeira vez, Darín e Sbaraglia estão contracenando. A narrativa, produção hispano-argentina, é um thriller dramático ambientado em uma região remota da Patagônia.
Darín, que sofreu uma grande transformação física para o papel, é Salvador, o mais velho de quatro irmãos criados num local gelado. Vive sozinho na cabana da família. Morando há 30 anos na Espanha, o segundo irmão, Marcos (Sbaraglia), volta à Patagônia com a mulher Laura (a espanhola Laia Costa) quando o pai morre. Encontra a irmã, Sabrina (Dolores Fonzi), internada em um hospital psiquiátrico.
Marcos não viajou apenas para o funeral do pai. Uma mineradora está oferecendo milhões de dólares pelas terras da família. Só que ele tem que convencer o estranho Salvador a aceitar a venda. O encontro dos dois vai trazer à tona a tragédia que arruinou essa família. A morte do irmão caçula, ainda na infância, é o detonador de tudo.
Na trilha dos bons thrillers argentinos – como Os segredos dos seus olhos (2009) e Nove rainhas (2000), esse último teve Martin Hodara como assistente de direção –, Neve negra traz um desfecho surpreendente. Mas o impacto é menor do que o esperado.
Produção extensa
Em número de produções, a Argentina bate o Brasil. Em 2016, 199 longas argentinos chegaram aos cinemas daquele país. No Brasil, as produções nacionais foram 143. Só que a proporção de público é menor. Na Argentina, 11 longas lançados no ano passado atingiram mais de 100 mil espectadores (e somente um fez mais de 1 milhão). Por aqui, os sete primeiros colocados venderam mais de 1 milhão de ingressos. Só Os dez mandamentos teve 11 milhões de espectadores.
Três perguntas para...
Martin Hodara
diretor de Neve negra
Seu longa anterior, O sinal (2007), foi codirigido com Ricardo Darín. Como foi dirigi-lo agora, depois da experiência de tê-lo atrás das câmeras?
Somos muito amigos, ele foi o primeiro a ler o roteiro. Quando terminou, a primeira coisa que disse foi que queria ser Salvador. No começo, estava um pouco temeroso. ‘Como agora você é o diretor, se fizer alguma coisa que não goste você pode me cortar’, disse, brincando. Ricardo sofreu uma transformação grande, pois Salvador é um homem que vive em lugar nenhum em condições bem difíceis. Começamos a trabalhar o personagem a partir da imagem do ‘homem que não tem espelho’.
Em Neve negra, você dirige os dois atores argentinos mais conhecidos da atualidade. A maneira de trabalhar de Darín e Sbaraglia é muito diferente?
Os dois são muito próximos, como um irmão mais velho e um mais novo. Há muito tempo esperavam para trabalhar juntos. Como ator, Ricardo é mais natural, intuitivo. Leonardo precisa de mais informações do personagem para construí-lo. São duas maneiras distintas de serem grandes atores.
A Patagônia do filme é, na verdade, os Pirineus, na Espanha. Foi difícil filmar na neve?
Como Neve negra é uma coprodução com a Espanha, tivemos que filmar lá e na Argentina (as cenas internas foram rodadas em Buenos Aires). Leo e Ricardo estavam livres em fevereiro e março do ano passado. No Sul, não temos neve nessa época, então fomos para a Espanha. Filmar na neve não é tão ruim. Filmar na praia, que muita gente acredita ser ótimo, é a pior coisa do mundo, a areia atrapalha muito. Foi difícil filmar nas montanhas, mas não terrível. A pior parte é você não ter controle sobre a natureza. Se chove à noite, no dia seguinte tem mais neve. O dia pode estar nublado e meia hora depois pode abrir o sol. A mudança de humores da natureza foi a parte mais complicada, mas só isso.