O cinema promove encontros inesperados. A cineasta de Montes Claros Hannah Serrat não conheceria o senhor de Cajamar, interior de São Paulo, José Marcos Pedrozo, se não tivesse se encantado com a forma com que ele olhava o mundo e registrava fatos do seu cotidiano. No melhor estilo “uma câmera na mão uma ideia na cabeça”, no interior de São Paulo, Pedrozo transformava em filme desde os movimentos da filha ao som de Madonna na laje de casa, até o passar do tempo na vizinhança. Nada ficava despercebido de seu olhar. Tudo que filmava, Pedrozo colocava no canal que criou no YouTube.
Hannah conheceu o trabalho de Pedrozo graças às redes sociais. Formada em comunicação social e com mestrado em cinema, ao tomar conhecimento de um dos vídeos que viralizou, quis estabelecer diálogo com o jeito de Pedrozo capturar as imagens. Pedrozo morreu antes de o filme ser terminado, mas Hannah conseguiu a autorização para trabalhar com as imagens que ele havia produzido. A cineasta produziu Retalhos, um dos 205 filmes que integram a 16ª Mostra do Filme Livre.
O maior evento de cinema independente do Brasil começa nesta quarta (17) e vai até 5 de junho no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), na Praça da Liberdade. “São filmes urgentes e originais que não precisam de verba milionária para serem realizados. Cerca de 80% deles são feitos sem apoio de leis de incentivos. O realizador faz sozinho ou com a ajuda de amigos. Muita gente pensa que o cinema é uma indústria milionária, mas é muito mais que isso”, defende o idealizador da mostra, Guilherme Whitaker.
Na abertura, haverá exibição do curta Pré-história da desordem, de Chico Serra, Karen Akerman e Christian Caselli, e do média-metragem Já visto, jamais visto, de Andrea Tonacci (1944-2016).
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O idealizador lembra que, naquela época, muitos filmes eram feitos em VHS ou mini DV e que havia diferença entre filmes feitos em vídeo e cinema, o que, com a evolução da tecnologia de captação de imagem, deixou de ser uma questão. A cada edição, a mostra se tornou espaço nobre para apresentação do que estava sendo produzido em todo o Brasil. “Buscamos por filmes de invenção, que quebrem, revirem a linguagem audiovisual. Buscamos o diferencial, o subversivo, o que cutuca a onça com vara curta”, pontua Guilherme.
O cineastra Gabriel Sanna, que integra a curadoria da mostra, lembra que a diversidade dos filmes chama a atenção. Nesta edição, foram recebidos 1.155 filmes, sendo que a curadoria selecionou 170 para a mostra. Outros 35 foram convidados para compor a programação.
Gabriel explica que, com o passar dos anos, a mostra se consolidou como espaço para trazer à tona propostas inovadoras. “Percebemos a influência das escolas. Não é algo tão geográfico, embora possamos identificar um cinema mineiro, pernambucano, paraibano, gaúcho. São modos de fazer. Mas o legal é que vários grupos se encontram e se misturam. Nossa tarefa é encontrar novas figuras, novos olhares”, diz Gabriel.
Com a programação extensa, vale a pena fazer uma lista do que se pretende ver. No eixo Longas Livre, serão exibidos cinco trabalhos inéditos ou com circulação restrita, que dialogam com questões contemporâneas, mas, sobretudo, propõem formas fílmicas inovadoras. No eixo Panoramas Livres, foram selecionados 21 curtas e médias-metragens.
A mostra também dedica atenção especial ao trabalho de Andrea Tonacci, que terá um de seus filmes comentado pela montadora e companheira dele, Cristina Amaral. Tonacci foi o cineasta homenageado em 2006. Nesta edição, a homenagem será para Paula Gaitán, realizadora nascida em Paris, na França, que se criou em Bogotá, na Colômbia, e vive no Rio de Janeiro.
Os curadores ressaltam que foi no Brasil que Paula construiu a maior parte de sua obra, “oscilando nas fronteiras do documentário e das artes visuais performáticas”. A cineasta ministrará o curso Quadrado Negro, baseado na obra de Kasimir Malevitch. A mostra também reserva espaço para as obras de Luiz Paulino dos Santos e Lincoln Péricles. Outros destaques são os eixos Biografemas, que trazem filmes que dialogam com as artes plásticas, música e literatura; Mundo Livre, com produções de cineastas brasileiros pelo mundo que discutam as ideias de estar em movimento e ser estrangeiro; e Cabines Livres, espaço para exibição em loop de filmes mais abstratos.
O acervo da mostra será levado para outras cidades além do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde estão localizados os CCBBs. Guilherme destaca que qualquer interessado pode receber a mostra, basta se inscrever. A previsão é que os filmes circulem por cerca de 100 cidades brasileiras. “É o maior evento de cinema independente do Brasil e também a maior ação de cineclubismo”, diz.
16ª MOSTRA DO FILME LIVRE EM BH (MFL 2017)
De 17 de maio a 5 de junho, no Centro Cultural Banco do Brasil BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários).
De quarta a segunda. Entrada franca. Programação completa emwww.mostralivre.com