Fátima é uma mulher como milhões de outras que vivem na França. Divorciada, de 44, trabalha duro para criar as duas filhas, Nesrine, de 18, e Souad, de 15. Só que Fátima é invisível aos olhos de boa parte da população local. Imigrante árabe da Argélia, ex-colônia francesa, pouco fala francês. Ainda que entenda o idioma, só se comunica em sua língua de origem.
Trabalha como faxineira em Paris, sem direitos trabalhistas. Tem dificuldade de comunicação inclusive com as próprias filhas, ambas nascidas na França. A mais velha é motivo de orgulho da mãe. Contrariando as expectativas, começou, há pouco, a estudar medicina.
Quando sofre um acidente no trabalho e se vê impedida de continuar limpando escolas e residências, ela começa a escrever cartas. Tenta expressar na escrita o que não consegue na linguagem oral.
Fátima, longa-metragem do realizador franco-marroquino Philippe Faucon, foi o grande vencedor do prêmio César (o Oscar francês) em 2016 (melhor filme, roteiro adaptado e atriz revelação para Zita Hanrot, que interpreta a primogênita da protagonista).
A narrativa adapta o diário de uma imigrante (Fatima Elayoubi) que chegou à França sem saber ler nem escrever. Aprendeu a língua sozinha. Na tela grande, é interpretada por uma não atriz, Soria Zeroual, também ela uma imigrante argelina que trabalhou como faxineira na França.
Com sessões de pré-estreia desde a última quinta-feira, 04, em BH, no Cine Belas Artes, o longa está previsto para entrar em cartaz nesta semana. Fátima é um filme pequeno e aparentemente simples, que aborda com vigor questões atuais.
Confira abaixo entrevista do diretor Philippe Faucon ao Estado de Minas:
A história de Fátima é a de Fatima Elayoubi. Mas é também a de Soria Zeroual, que interpreta o papel-título?
Como Fatima Elayoubi, Soria imigrou para a França para acompanhar o marido (Fatima Elayoubi foi no início dos anos 1980, Soria no início dos anos 2000). Como elas não falavam francês, ambas tiveram como única oportunidade de trabalho ser faxineiras, profissão cujos horários e condições difíceis não davam a elas tempo para estudar o francês. Os filhos delas nasceram na França e falavam uma língua que elas não sabiam falar, o que criou uma separação linguística entre mães e filhos. Na sua vida pessoal, Soria vivenciou essa dificuldade descrita por Fatima Elayoubi em seu diário e, quando no Festival de Cannes (o filme foi exibido na mostra Quinzena dos Realizadores) os jornalistas perguntaram para ela por que quis participar deste filme, ela respondeu: ''Para falar sobre todas as Fátimas da França''.
Fátima dá voz a pessoas que geralmente nem têm oportunidade de se expressar. Por que essa escolha?
Justamente porque são personagens que continuam ausentes das produções francesas – e, na sociedade francesa, da qual eles participam, eles estão invisíveis e sem reconhecimento algum.
O filme fala sobre a sociedade francesa, mas também sobre imigração em geral, seja qual for o país de origem e o país de destino das pessoas. A universalidade do tema tem atingido outros públicos que não o francês?
Sim. E de fato as reações dos espectadores fora da França já confirmaram isso.
Você nasceu no Marrocos. A sua história e a de sua família trazem muitos pontos em comum com a de Fátima?
Meus avós imigraram para a França para trabalhar. Eles também não falavam francês. E eles também se tornaram peças invisíveis da sociedade e acabaram por não conseguir se comunicar com os filhos e os netos. Quando eu era criança, meus avós maternos falavam comigo em espanhol, e eu respondia em francês, exatamente como Fátima e as filhas.
Você acha que o cinema francês dá aos imigrantes o lugar que eles merecem?
Recentemente, o cinema francês começou a dar voz mais especificamente aos filhos de imigrantes, de uma forma que podemos achar boa ou não. Porque é claro que a juventude tem algo mais atraente, mais ''sedutor'' para o cinema. Os adultos continuam sendo invisíveis ou aparecem de vez em quando, como personagens muito secundários, na maioria das vezes estereotipados.
Como vê o crescimento da extrema-direita na França?
Creio que a ascensão da extrema-direita não é o privilégio da França. Vivemos numa época em que as preocupações favorecem os choques de identidade. Isso acaba gerando ansiedade na Europa e no mundo..