“Por que você faz cinema?”, perguntou o jornal Libération a mais de 700 cineastas do mundo inteiro em 1987.
Apostando no potencial transformador desse encontro, estreia hoje em Belo Horizonte, no Sesc Palladium, a 11ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos. Realizada simultaneamente em todas capitais brasileiras e no Distrito Federal, o evento exibirá gratuitamente, até 14 de maio, 29 filmes, entre curtas, médias e longas-metragens que abordam racismo, saúde mental, direitos da população indígena, entre outros de igual relevância social.
A abertura ocorre amanhã, às 19h, com os curtas Depois que te vi, de Vinícius Saramago, e De que lado me olhas, de Carolina de Azevedo e Elena Sassi. A programação é organizada em quatro nichos. Na mostra temática, a pauta da vez é gênero – sem dúvida, uma das mais urgentes no Brasil, campeão mundial de assassinatos de pessoas trans. Segundo a Associação Nacional de Transexuais e Travestis do Brasil (Antra), por aqui, a expectativa de vida dessa população não ultrapassa a média de 35 anos.
O documentário Meu nome é Jacque (2016), de Ângela Zoé, é uma das produções que tocam nessa ferida. A obra apresenta ao espectador a transexual Jacqueline Côrtes. Militante da causa LGBT, Jacque tem vasto histórico de lutas contra a Aids e contra o preconceito, bandeiras que defendeu como representante do governo brasileiro na Organização das Nações Unidas (ONU). Hoje, ela mora numa cidade do interior, onde se dedica à maternidade e à família.
Num espectro ampliado da mesma discussão, a mostra ainda reúne filmes sobre violência contra a mulher, realidade em que o Brasil também é líder. Com uma taxa de feminicídios de 4,8 para cada 100 mil mulheres, ocupamos o quinto lugar no ranking mundial de nações que mais matam mulheres, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A situação é ainda mais grave quando se trata do assassinato de mulheres negras, que apresentou crescimento de 54% na última década.
Para o debate sobre a questão, o festival traz, entre outros, o filme Precisamos falar sobre assédio (2016), de Paula Sacchetta. O enredo é costurado a partir de 26 desabafos de vítimas de qualquer tipo de assédio, entre 15 e 84 anos e de todas as classes sociais. Segundo a produtora-executiva da mostra, Luciana Boal, a diversidade não pautou apenas a curadoria do evento, ecoou também nos bastidores dele. “Exatamente a metade dos filmes selecionados têm mulheres na direção. E, não por acaso, a homenageada desta edição é a cineasta Laís Bodanzky”, conta.
RECONHECIMENTO Na mostra-homenagem dedicada à paulista Bodanzky, não faltou sua obra mais aplaudida, o longa Bicho de sete cabeças (2000). Progatonizado por Rodrigo Santoro, o filme reflete sobre a luta antimanicomial ao falar sobre a triste passagem do adolescente Neto por um manicômio, onde foi internado pela família por fumar maconha. Chega de saudade (2000) – sobre as dores e delícias da velhice – e As melhores coisas do mundo (2010) – que permeia árduo percurso da adolescência – também estão na lista das obras da cineasta disponibilizadas em BH.
O evento, destaca Laís, a faz se sentir em casa, pois vai ao encontro das convicções a que a diretora recorre sempre que tem que responder à mesma pergunta feita a Joaquim Pedro de Andrade. “Por que eu faço cinema? Entre outros motivos, porque é uma comunicação que fala direto ao coração.
Na mostra Panorama, montada sob temáticas variadas, o destaque vai para o longa francês Humano – Uma viagem pela vida (2015), de Yann Arthus-Bertrand. Com testemunhos e imagens aéreas exclusivas de diversas localidades do planeta, o documentário parte da questão “o que, afinal, nos torna humanos?”, para montar um retrato da humanidade, com suas semelhanças e diferenças.
As crianças, pela primeira vez, ganharam espaço especial na exposição – a Mostrinha. Oito filmes dedicados ao público infantil poderão ser conferidos na capital, entre os quais Imagine uma menina com cabelos de Brasil (2010), de Alexandre Bersot.
11ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos
De amanhã a domingo. Sesc Palladium
(Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, (31) 3270-8100).
Entrada franca. Programação completa: www.facebook.com/mostracinemabelohorizonte.
DEPOMENTO
Laís Bodanzky
cineasta homenageada
Sem medo
“Todos os filmes que eu fiz me modificaram muito. Chega de saudade (2007), por exemplo, fez com que eu perdesse o medo de envelhecer. Quando iniciei a pesquisa para o filme, frequentei muitos salões de baile. E aí conheci muitas pessoas mais velhas que frequentam esses ambientes.