Quando o recluso Masamune Shirow criou a estética de Ghost in the shell, o mangá que origina o filme estrelado por Scarlett Johansson em cartaz desde quinta nos cinemas, o futuro lhe parecia sombrio. Era 1989. Computadores pessoais já existiam, mas eram raros. A internet, então, não passava de uma ideia biruta de ficção científica. Blade runner, de Ridley Scott, já havia dito ao mundo que, em um futuro distópico, a linha que separa humanidade e robôs poderia ser tênue.
E Shirow acrescentou mais molho nessa sopa. Se no filme que dava continuidade à ideia do livro Androides sonham com ovelhas elétricas? não havia meio-termo, Ghost in the shell apresentou um protagonista que era os dois: humana e robô. Um cérebro, ou ghost (fantasma), dentro de um corpo robótico, a tal casca, ou shell, do título. Transformado em animação por Mamoru Oshii, em 1995, a história de Major, a protagonista que na nova versão é interpretada por Johansson, ganhou peso, cor e significado.
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O universo imaginado do cyberpunk de William Gibson no livro Neuromancer, de 1984, está à porta. E não é por acaso que a estética que une alta tecnologia, anarquismo, opressores e oprimidos e baixa qualidade de vida estejam de volta. Até mesmo o clássico Blade runner ganhará uma nova versão, mais uma vez com Harrison Ford. Seu personagem, no novo longa que estreia no fim do ano, ganhará a companhia de Ryan Gosling. Mad max, que une a tecnologia em um mundo à beira do caos e do fim, foi revivido por George Miller há dois anos. Outro estouro.
É até aterrorizante imaginar como o cyberpunk jamais esteve tão próximo da realidade. Se ainda não há a banalização dos implantes robóticos em seres humanos, a tecnologia já está ao redor. Não há como fugir dela. Sistemas operacionais já são, cada vez mais, assistentes pessoais. O mundo está no seu bolso, na tela do smartphone. O Twitter já ajudou a deflagrar uma revolução, a Primavera Árabe, em 2010. O mundo, o nosso, está tão conectado que uma ficção científica como Ghost in the shell , por vezes, não parece ser tão fictícia assim.
Por essa razão, a versão live action (como são chamadas as adaptações de animações para filmes com atores de carne e osso) da história da pouco humana Major tem mais chances do que aquela lançada com pompa em 1995, chegando aos cinemas japoneses, norte-americanos e britânicos na mesma data, mas que fracassou em bilheteria. Era ficção demais. Hoje, não.
A vigilante do amanhã, nome dado à versão brasileira do longa, enfrentará uma tarefa que outros tentaram dar conta, mas falharam. Adaptações de mangás e animes nunca funcionaram devidamente fora do Japão, mesmo quanto produzidas por estúdios norte-americanos. Oldboy, de Spike Lee, por exemplo, reinventou o filme de 2003 e o quadrinho de 1996, e morreu na praia. No limite do amanhã, uma boa ficção protagonizada por Tom Cruise, também não foi longe. A lista é vasta.
O dilema da personagem de Scarlett Johansson, contudo, é o trunfo do longa de Rupert Sanders. O que faz dela humana, sua consciência, é o que nos dá humanidade no tempo em que andamos curvados nas telas dos celulares em elevadores, filas de espera ou vagões de metrô. Conectar-se com o mundo todo e, ao mesmo tempo, estar distante e alheio ao redor. Parece ficção científica? Mas não é. (Pedro Antunes, Estadão Conteúdo)
Confira o trailer de A vigilante do amanhã