É do rabino brasileiro Nilton Bonder a ideia de que religião é para os que temem o inferno e espiritualidade verdadeira, para os que já estiveram lá. Médico por formação, o cineasta francês Thomas Lilti transfere para seus filmes essa ideia de que uma vivência em primeira pessoa não apenas transforma a pessoa em questão, como também a aproxima da essência das coisas.
No caso do longa Insubstituível, em cartaz em Belo Horizonte desde quinta, 9, a essência em debate é a da vida (e sua precariedade), já que Jean-Pierre Werner (François Cluzet), o protagonista da trama, é o único médico a cuidar de um vilarejo inteiro, numa região rural da França. Até que ele descobre um tumor maligno e inoperável – em seu próprio cérebro.
Na condição de paciente, Werner adota um comportamento turrão e refratário a recomendações, como a de reduzir suas atividades profissionais. Por isso ele recebe Nathalie Delezia (Marianne Denicourt), a médica que seu próprio médico envia para ajudá-lo nos atendimentos, com total falta de simpatia e declarada hostilidade.
Mas o natural da vida é seguir em frente, como parece querer dizer o roteiro (de Lilti e Baya Kasmi). E assim Nathalie vai quebrando resistências – dos pacientes de Jean-Pierre longamente habituados a serem cuidados somente pelo médico e dele mesmo.
Os pequenos e grandes dramas da população vão se revelando, mansamente, como convém a um filme ambientado no interior. A nova doutora se depara com a jovem cujo namorado abusivo a obriga a fazer sucessivos abortos, com o “retardado” que provavelmente é portador de uma variação de autismo não diagnosticada, com a colônia de ciganos sem nenhum cuidado médico. E com a indignação do prefeito local ao fato de que, ali, todos “odeiam o progresso”.
Com a história do paciente de 92 anos que segue sob tratamento em casa, por decisão de Jean-Pierre, embora tenha “mais de 10 razões para ser internado num hospital”, segundo conclui Nathalie, Lilti volta a abordar a questão do direito à morte digna, presente em seu longa anterior, Hipócrates, exibido no Brasil em 2015.
Em Insubstituível, ele volta a incluir na trama o aspecto da mercantilização da medicina e acrescenta o das terapias alternativas, com um olhar agridoce para a “yoga do riso”. narrativa de Lilti é do tipo funcional à história. Ele não é (e não parece pretender ser) um cineasta de invenções de linguagem, como tantos que a França proporcionou ao cinema. Seus filmes se aproximam mais daqueles que fazem os críticos – sobretudo os franceses – torcerem o nariz, mas diante dos quais o público ou abre o sorriso ou enxuga os olhos.
Em Insubstituível, as marcas do “cinema humanista” ou “de mensagem” são perceptíveis, mas o filme tem o mérito de querer dar um recado que não padece nem de ingenuidade nem de soberba. Consertamos as besteiras que a natureza faz
Eis a tese de Insubstituível. Se Lilti e Nilton Bonder estão certos, há uma boa lição para se tirar de um inferno pessoal.