“As pessoas sempre me perguntam que tipo de história quero contar. E digo: exumem esses corpos, exumem essas histórias; as histórias de pessoas que sonharam alto e nunca viram esses sonhos florescerem, de pessoas que se apaixonaram e perderam. Eu me tornei uma artista e dou graças a Deus por isso, porque temos a única profissão que celebra o que significa viver a vida”, disse a atriz. Em seguida, Viola dedicou o prêmio ao roteirista August Wilson, “que exuma e enaltece pessoas comuns” e ao próprio filme, “que é sobre pessoas e palavras e vida e perdão e graça”.
Uma exumação da vida de perdedores é uma definição bastante precisa para Um limite entre nós. O grande sonho de Troy, um veterano de guerra que ganha a vida como lixeiro, era ser um astro do beisebol. Ele culpa o racismo, que “obriga os negros a ser duas vezes melhores que os brancos para obter o mesmo”, por não ter alcançado seu objetivo. E usa esse argumento para impedir o filho mais novo de tentar a chance no esporte, aparentemente inconsciente de que sua atitude perpetua uma história de frustração e ressentimento.
Não é fácil ter empatia com um personagem dado a humilhar os filhos, abusar do álcool e gabar-se de seu desempenho sexual com a mulher em público. Mas, antes que Troy vá além, revelando à mulher como se sente ao lado da amante, num dos mais cruéis diálogos possíveis entre um casal, Wilson toma a providência de oferecer ao espectador os elementos necessários para compreender seu comportamento não como o de um homem desprovido de caráter, mas sim como o de um sobrevivente à miséria humana apegado à sua própria ideia do que é ser íntegro e correto – ainda que essa ideia se choque com os sentimentos daqueles com quem se relaciona.
TEATRO Quando disse que Um limite entre nós é um filme sobre palavras, Viola Davis não exagerou
Em torno do casal principal ainda gravitam um irmão de Troy, que carrega uma sequela da guerra; o primeiro filho dele (com outra mulher) e seu melhor amigo. O título original, Fences (Cercas), refere-se ao que seria a ocupação dos fins de semana de Troy – construir nos fundos de casa uma cerca, a pedido de Rose. Num breve diálogo entre ele e o amigo e companheiro de copo instala-se a dúvida sobre qual seria o propósito de Rose – impedir a invasão de estranhos ou a evasão dos de casa.
O desenrolar dos fatos mostrará que nem uma coisa nem outra são possíveis e que, sob a perspectiva de Rose em Um limite entre nós, viver a vida significa aceitar que às vezes é preciso redefinir as fronteiras para não abandonar o campo de batalha.