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'Um limite entre nós' aborda a questão racial e tenta esquadrinhar o mundo interior daqueles cujos sonhos fracassam

Produção, que concorreu a melhor filme no Oscar, é dirigida e estrelada por Denzel Washington

Pedro Antunes/Estadão Conteúdo Silvana Arantes
Um limite entre nós, que estreia hoje nos cinemas brasileiros, é dirigido e estrelado por Denzel Washington
. Mas foi Viola Davis quem levou um Oscar no último domingo pelo papel de Rose, a mulher de Troy (Washington), protagonista da trama. Após o agradecimento de Viola, o mestre de cerimônias Jimmy Kimmel disse duvidar que alguém fizesse um discurso mais belo naquela noite. De fato, ninguém fez.

Denzel Washington e Viola Davis formam o casal Troy e Rose em 'Um limite entre nós', que deu a ela o Oscar de atriz coadjuvante - Foto: PARAMOUNT/DIVULGAÇÃO
“As pessoas sempre me perguntam que tipo de história quero contar. E digo: exumem esses corpos, exumem essas histórias; as histórias de pessoas que sonharam alto e nunca viram esses sonhos florescerem, de pessoas que se apaixonaram e perderam. Eu me tornei uma artista e dou graças a Deus por isso, porque temos a única profissão que celebra o que significa viver a vida”, disse a atriz. Em seguida, Viola dedicou o prêmio ao roteirista August Wilson, “que exuma e enaltece pessoas comuns” e ao próprio filme, “que é sobre pessoas e palavras e vida e perdão e graça”.

Uma exumação da vida de perdedores é uma definição bastante precisa para Um limite entre nós. O grande sonho de Troy, um veterano de guerra que ganha a vida como lixeiro, era ser um astro do beisebol. Ele culpa o racismo, que “obriga os negros a ser duas vezes melhores que os brancos para obter o mesmo”,  por não ter alcançado seu objetivo. E usa esse argumento para impedir o filho mais novo de tentar a chance no esporte, aparentemente inconsciente de que sua atitude perpetua uma história de frustração e ressentimento.

Não é fácil ter empatia com um personagem dado a humilhar os filhos, abusar do álcool e gabar-se de seu desempenho sexual com a mulher em público. Mas, antes que Troy vá além, revelando à mulher como se sente ao lado da amante, num dos mais cruéis diálogos possíveis entre um casal, Wilson toma a providência de oferecer ao espectador os elementos necessários para compreender seu comportamento não como o de um homem desprovido de caráter, mas sim como o de um sobrevivente à miséria humana apegado à sua própria ideia do que é ser íntegro e correto – ainda que essa ideia se choque com os sentimentos daqueles com quem se relaciona.

TEATRO Quando disse que Um limite entre nós é um filme sobre palavras, Viola Davis não exagerou

. E ser palavrosa demais é a grande fragilidade dessa transposição para o cinema de um texto originalmente escrito para o teatro. Quase todas as informações sobre o passado dos personagens e o substrato de seus conceitos sobre a vida são oferecidas em extensos diálogos reminiscentes. Como diretor, Denzel Washington abriu mão da chance de usar o poder do cinema para mostrar e se ateve à capacidade dos atores de dizer coisas. Menos mal que o elenco tenha talentos como o de Viola, que se sobrepõe até a uma mise-en-scène pesada e pouco imaginativa.


Em torno do casal principal ainda gravitam um irmão de Troy, que carrega uma sequela da guerra; o primeiro filho dele (com outra mulher) e seu melhor amigo. O título original, Fences (Cercas), refere-se ao que seria a ocupação dos fins de semana de Troy – construir nos fundos de casa uma cerca, a pedido de Rose. Num breve diálogo entre ele e o amigo e companheiro de copo instala-se a dúvida sobre qual seria o propósito de Rose – impedir a invasão de estranhos ou a evasão dos de casa.

O desenrolar dos fatos mostrará que nem uma coisa nem outra são possíveis e que, sob a perspectiva de Rose em Um limite entre nós, viver a vida significa aceitar que às vezes é preciso redefinir as fronteiras para não abandonar o campo de batalha.