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Diretor de fotografia de 'A era do gelo 4' vai filmar romance de autor mineiro

Trama fala da BH dos anos 50, da chegada da Aids e da ditadura militar em 'narrativa extremamente visual'

Mariana Peixoto

Decidido a filmar 'Clube dos homens bonitos', o cineasta Renato Falcão veio a BH conhecer o escritor Marco Lacerda. - Foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press

O gaúcho Renato Falcão levou 21 anos para encontrar o mineiro Marco Lacerda. Poucas horas depois de conhecê-lo (o que ocorreu na semana passada), já sabia: estava certo ao decidir adaptar o romance Clube dos homens bonitos para o cinema.


Atualmente, Falcão é nome de referência na animação. Vive há 20 anos em Nova York, onde atua na produtora Blue Sky Studios. Diretor de fotografia de vários filmes da empresa, assina, por exemplo, os longas de Carlos Saldanha A era do gelo 4, Rio e Rio 2. É também o fotógrafo de Ferdinand, o novo trabalho do carioca, com previsão de estreia para dezembro.


''Engolido'' – no bom sentido – pela animação, Falcão acabou deixando os projetos pessoais de lado. Como diretor, só tem dois filmes: o curta Presságio (1993) e o longa A festa de Margarette (2003), ambos em live action. E é aí que entra o livro do jornalista e escritor mineiro Marco Lacerda. Clube dos homens bonitos cala fundo numa história pessoal do próprio Falcão.


Voltando no tempo: em 1992, Falcão conheceu o ator Manoel Aranha. Em Porto Alegre, dirigiu-o no espetáculo O homem com a flor na boca, de Luigi Pirandello. No meio da montagem, Aranha descobriu que estava doente. No primeiro momento, pensou em câncer

. Era Aids.


''Ele decidiu continuar com o espetáculo, fazendo uma campanha de prevenção contra a Aids. Apresentamos a peça em escolas e presídios, o Iberê Camargo pintou mais de 20 quadros sobre ela'', relembra Falcão, falando sobre a série Um ator de amor à vida. Aranha, que atuou no curta Presságio, acabou morrendo pouco depois.

CÂNCER GAY Em 1996, já morando no exterior, Falcão, numa vinda ao Brasil, comprou um exemplar de Clube dos homens bonitos (Editora Objetiva), lançado naquele ano. ''Quando li, enlouqueci, pois é um livro muito visual'', comenta. E não somente por isso. O romance de Lacerda também trata da Aids ainda nos primórdios, quando era chamada de ''câncer gay''.


Com narrativa enxuta (são 130 páginas) e extremamente visual, como afirma o diretor, Lacerda conta a história de Bruno Fraga. Nascido na BH dos anos 1960, é o filho único de um homem extremamente rico e poderoso, que, depois do golpe militar de 1964, torna-se mandante de perseguições políticas, prisões, tortura e morte daqueles que discordavam do regime.


Bruno, que do pai só recebeu desprezo e passou infância e juventude junto à mãe reprimida, tem um momento revelador no Stage Door, clube que funcionava no mezanino do Teatro Marília. Depois de uma tragédia, abandona o Brasil e chega a São Francisco, na Califórnia, em plena ascensão do movimento hippie. A narrativa segue em meio à explosão flower power e seus excessos: drogas, bebida e prostituição.

KATMANDU
 Muitos anos se passam, Bruno conhece o jovem Teodoro Nava, também vindo de BH, que afirma ser a pessoa que vai esclarecer o seu passado. A narrativa passa pelo zen-budismo, chega a Katmandu e somente nas duas páginas finais o mistério é esclarecido

. Quem relata tudo é um jornalista brasileiro, correspondente internacional, alter ego do próprio Marco Lacerda.


''Como fiquei muito focado em fotografia, quero voltar a fazer meus filmes. Mas cinema não é coisa rápida. Primeiro, temos que criar o roteiro. Quero a participação do Marco o tempo todo, pois acho um desrespeito quando um diretor pega um livro e não inclui o autor. Vamos ser justos: há livros muito literários que não estão tão bem visualmente descritos, então a adaptação deve ser mais livre. No caso do romance do Marco, ele é todo visual. Quem melhor do que o escritor para me dizer visualmente o que era o Stage Door?'', diz Falcão.


''Renato sabe mais do livro do que eu mesmo'', completa Lacerda, também autor de Favela high-tech (1994) e As flores do jardim da nossa casa (2007). Os direitos sobre o primeiro, obra sobre o submundo de Tóquio (onde o jornalista atuou como correspondente), foram vendidos para a Gullane Filmes. A produtora paulistana informa que o projeto está em fase de desenvolvimento. Mas o diretor já foi definido: Karim Aïnouz, de Madame Satã e Praia do Futuro.


De Clube dos homens bonitos, por ora, existem autor, diretor e a produtora Amanda Drumond, que fez a ligação entre Falcão e Lacerda. Vinte e um anos depois, a história começa a sair do papel.