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Cineastas chamam o governo Temer de 'ilegítimo' no Festival de Berlim

Marcelo Gomes e mais 11 diretores brasileiros apresentaram carta de teor político durante coletiva de imprensa

Diário de Pernambuco

"Temos que lutar contra esse governo ilegítimo", disse Gomes na coletiva de imprensa - Foto: Beatriz Masson/Divulgação

Após a exibição de Joaquim, mais recente filme Marcelo Gomes, o cineasta e outros 11 realizadores brasileiros presentes do Festival de Cinema de Berlim aproveitaram para lançar manifesto da classe cinematográfica contra o governo de Michel Temer. Na carta, apresentada nesta quinta-feira, diretores declaram "uma grave crise democrática no Brasil".

 

"Em quase um ano sob esse governo ilegítimo, direitos da educação, saúde, trabalhistas foram duramente atingidos", anuncia um dos trechos iniciais da carta, lida em inglês por Marcelo Gomes durante coletiva de imprensa no festival.

Embora Joaquim seja o único filme concorrendo ao Urso de Ouro, da mostra competitiva do festival, outras 11 produções nacionais foram selecionadas para a mostra deste ano, número recorde em três décadas. Diretores das 12 produções assinaram o manifesto, que contesta também o processo de substituição do quadro de diretores da Agência Nacional de Cinema (Ancine).

Tiradentes

Apesar de ter Tiradentes como figura central, Joaquim não é uma cinebiografia do ícone da Inconfidência Mineira. É algo mais próximo de um exercício de imaginação, explica o diretor, o que não significa falta de apuro histórico. Antes de iniciar o roteiro, também de sua autoria, Gomes pesquisou e leu diversos livros sobre o período colonial brasileiro, para compor o pano de fundo da narrativa. "Depois eu abandonei os livros, porque sou um ficcionista", diz. O que mais atrai Gomes na história de Tiradentes é a morte.

"Enquanto todos os inconfidentes negavam fazer parte do movimento, ele assumiu a responsabilidade

. Foi de uma dignidade e nobreza extremas, qualidades muito raras", aponta. Apesar disso, o filme se passa dez anos antes da Inconfidência Mineira. Sobretudo por estar situado antes da revolta histórica, Marcelo Gomes precisou tirar muito da imaginação para construir Tiradentes, já que os registros sobre esse período da vida de Joaquim José da Silva Xavier são ainda mais escassos.

"Foi uma construção feita a partir de fatos reais e do imaginário", explica, completando que sua proposta é fazer uma espécie de documentário de época. "Busquei entender como ele, que era um soldado da coroa, se tornou um rebelde, como foi a construção dessa consciência política. E, também, uma compreensão do Brasil Colonial", ressalta.

"O Brasil Colonial era preconceituoso, racista e tinha uma pequena elite controlando o poder. Lembra alguma coisa?", diz, fazendo um paralelo com a atualidade. "O problema da nossa educação tem origem lá no passado, na nossa colonização", completa.

Confira a carta na íntegra:

"Para a comunidade cinematográfica internacional Estamos vivendo uma grave crise democrática no Brasil
. Em quase um ano sob esse governo ilegítimo, direitos da educação, saúde, trabalhistas foram duramente atingidos. Junto com todos os outros setores, o audiovisual brasileiro, especialmente o autoral, corre sério risco de acabar. A diretoria da Ancine (Agência Nacional do Cinema) está agora em processo de substituição de dois de seus quatro diretores, que serão anunciados pelo ministério do atual governo.

O Brasil é formado por uma diversidade étnica-racial-cultural-religiosa e de gênero gigantesca. E a consciência dessa pluralidade tem se mostrado peça-chave na hora de planejar os programas educacionais, econômicos, culturais e de saúde do nosso país.

Na política do audiovisual brasileiro, não foi diferente. Nos últimos anos, a Ancine tem direcionado suas diretrizes observando com atenção esses muitos Brasis. Ampliou o alcance dos mecanismos de fomento, que hoje atingem segmentos e formatos dos mais diversos, do cinema autoral ao videogame; das séries de TV aos filmes com perfil comercial: do desenvolvimento de roteiro à distribuição.

O resultado é visível. O ano de 2017 começou com a expressiva presença de filmes brasileiros nos três dos principais festivais internacionais, totalizando 27 participações em Sundance, Rotterdam e Berlim. Não chegamos a esse patamar histórico sem planejamento, continuidade e diálogo entre Ancine e a classe realizadora, principalmente por meio de duas ações de fomento: a criação de uma lei que obriga os canais de tv a cabo a exibirem 3h30 de programação brasileira e a criação do Fundo Setorial do Audiovisual, que investe em várias linhas, em todos os tipos de audiovisual em qualquer fase de produção.

Entre as políticas do Fundo Setorial, gostaríamos de destacar, em especial, as políticas regionais, o edital de tv pública, o edital voltado para filmes de arte com perfil internacional, os editais e acordos de co-produção internacional.

As ações implementadas incidiram de forma positiva no setor audiovisual, que cresce 8,8% ao ano. Uma taxa superior à média do conjunto dos outros setores da economia brasileira, representando um valor adicionado de 0,54% na economia nacional. Esse percentual é maior do que o gerado pela indústria farmacêutica, de produtos eletrônicos e de informática, por exemplo.

O percurso trilhado nos últimos anos posiciona a Ancine e o Setor Audiovisual em possibilidade de aprimoramento de suas ações, com disposição para o diálogo e desenvolvimento de instrumentos capazes de proporcionar, em um curto espaço de tempo, um programa de ações afirmativas com recorte de raça e gênero em consonância com a pauta global que impõe a necessidade de aprimoramento e ajuste do setor audiovisual para garantia de maior representatividade e participação da população negra e das mulheres. E acreditamos, ainda, que deve ser incrementada uma política de formação de público, artística e técnica para que novas pessoas possam se qualificar e atuar em toda a cadeia da produção audiovisual. Além de uma política de acervo, para garantir condições para manutenção e acesso ao público da grande produção audiovisual brasileira, realizada ao longo de quase um século de atividade.

Tudo que se alcançou até aqui é fruto de um grande esforço do conjunto de agentes envolvidos entre Ancine, produtores, realizadores,distribuidores, exibidores, programadores, artistas, lideranças, poder público, entre outros. Acima de tudo, queremos garantir que toda e qualquer mudança ou aperfeiçoamento nas políticas públicas do audiovisual brasileiro sejam amplamente debatidas com o conjunto do setor e com toda a sociedade.

Assim, pedimos às instituições, produtores e realizadores de todo o mundo que apoiem a luta e a manutenção de todos os tipos de audiovisual no Brasil. Defendemos aqui a continuidade e o incremento dessa política pública.

 

Assinam esta carta os diretores e produtores dos filmes:


As suas Irenes 
(Fabio Meira, Diana Almeida e Daniel Ribeiro)
Como nossos pais
(Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi)
Em busca da terra sem males"
(Anna Azevedo)
Está vendo coisas (Barbara Wagner e Benjamin de Burca)
Joaquim
(Marcelo Gomes e João Vieira Jr.)
Mulher do pai (Cristiane Oliveira, Graziella Ferst e Gustavo Galvão)
Não devore meu coração!
(Felipe Bragança e Marina Meliande)
Pendular
(Julia Murat e Tatiana Leite)
Rifle
(Davi Pretto e Paola Wink)
Vazante 
(Daniela Thomas e Sara Silveira)
Vênus - Filó a fadinha lésbica (Sávio Leite)"