A mostra Simplesmente Nelson traça um panorama quase completo da obra do mais importante cineasta brasileiro. Por que "quase"? Porque, em meio a esse percurso pelas obras que dirigiu, produziu ou montou, falta o seu primeiro longa, de importância capital: Rio 40 Graus, de 1955, tido como pioneiro de uma versão tropical do neorrealismo italiano e precursor do Cinema Novo. A mostra segue até 22 de fevereiro Na Caixa Belas Artes - Sala Aleijadinho, em São Paulo.
Por que ausente? Responde Nelson, ouvido pelo jornal "O Estado de S. Paulo": "Não há cópias de Rio 40 Graus porque o negativo foi destruído. Processo, por isso, a Cinemateca Brasileira, responsável pela guarda do filme, mas a ação está imobilizada na Justiça".
Consultada, a Cinemateca Brasileira respondeu através de extensa carta com o "histórico do caso". Em resumo: em 1977, a custódia dos negativos de Rio 40 Graus foi repassada da Cinemateca do MAM (Rio) à Cinemateca Brasileira, com fins de restauro. Entre 1977 e 1978 os negativos originais foram processados, gerando master combinado (imagem e som) e cópia de exibição. Do master, produziu-se um contratipo que garantiu a tiragem de novas cópias. Os descartes dos negativos de imagem e som ocorreram entre 1999 e 2002, pois estavam tecnicamente inutilizáveis e com risco de contaminar outros materiais. A instituição não formalizou esses descartes, na convicção de que a obra estava preservada desde o seu restauro. Em 2005, a Regina Filmes (produtora de Nelson) retirou da Cinemateca os materiais referentes às obras de sua produção, inclusive as matrizes de Rio 40 Graus
É pena mesmo que Rio 40 Graus (1955) não esteja na mostra, pois trata-se do pontapé inicial de uma obra muito extensa e completa, a de um cineasta que jamais deixou de olhar e refletir sobre esse país complexo chamado Brasil. A obra que forma par com Rio 40 Graus é Rio Zona Norte (1957) e esta sim está na Mostra. Seus protagonistas são gente do povo: vendedores de amendoim, soldados, cafetões, sambistas. O ambiente era o das ruas, com filmagens em locações e não em estúdio.
O Nelson que ingressa nos anos 1960 já é o do Cinema Novo e produz uma de suas obras-primas, Vidas Secas (1963), baseada em Graciliano Ramos. "Quando decidi fazer Vidas Secas sabia que aceitava um desafio: adaptar a obra do escritor mais respeitado do Brasil", admite Nelson. Desafio aceito e vencido. Em imagens cruas, o filme reproduz a luz chapada do sertão; a narrativa é despojada, e o som, às vezes, limita-se ao rangido de um carro de bois. Filme notável, insere-se na crítica radical às condições sociais de um Brasil cheio de esperanças mas também de misérias.
Esse olhar de Nelson sobre o País não se fixa na moldura de um estilo único. Varia
Em A Terceira Margem do Rio (1994) e Cinema de Lágrimas (1995), vemos o cineasta enfrentando com criatividade os anos magros do cinema pós-Collor. No primeiro, com uma hibridação inventiva de vários contos de Guimarães Rosa; no segundo, recriando em ficção uma obra teórica sobre o melodrama latino-americano, escrita por Silvia Oroz, que, aliás, é uma das curadoras da mostra, com Breno Lira Gomes.
Nos anos recentes, Nelson Pereira, primeiro cineasta a ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, criou filmes interessantes e mais uma obra-prima. Em documentários feitos para a TV, Casa Grande e Senzala (2000) e Raízes do Brasil (2004), fala das obras de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, dois "explicadores" do País. Na ficção Brasília 18% (2006), enfrenta tema quente e obsessivo: "Acho que é um filme bem atual, pois conta uma história de corrupção política em todos os níveis". A obra-prima é o documentário A Música Segundo Tom Jobim, a mais bela e perfeita homenagem prestada ao Maestro. Cheio de vitalidade, aos 88 anos, Nelson prepara novo filme. Ele, que começou com gente do povo, agora investiga a realeza. Seu novo longa será sobre Pedro II, baseado na biografia escrita pelo colega de Academia, o historiador José Murilo de Carvalho.
A mostra começa nesta quarta-feira, 8, no Cine Caixa Belas Artes, com exibição de curtas e um longa, Rio Zona Norte, seguidos de mesa de debate, às 20h. Participam o diretor Luiz Carlos Lacerda, o ator Carlos Alberto Riccelli e a curadora Silvia Oroz, com moderação da jornalista Maria do Rosário Caetano.
SIMPLESMENTE NELSON