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Ken Loach realiza seu melhor filme com 'Eu, Daniel Blake'

Sobre a burocracia governamental, filme é a prova que o cinema social não está esgotado, apenas precisa de um grande diretor

Estado de Minas

Em 2014, o diretor britânico Ken Loach disse que estava cansado e anunciou que Jimmy’s hall seria seu último filme

. Mas foi pelos mesmos motivos que Loach quis se aposentar – sua tristeza perante o estado do mundo: imigrantes caçados feito bichos, jovens marginalizados, desmantelamento dos sistemas de saúde etc. – que ele recuou e retomou o bastão. Loach fez Eu, Daniel Blake, em cartaz nos cinemas,  e venceu o Festival de Cannes no ano passado. Foi sua segunda Palma de Ouro.

Com esse longa, a classe operária tem um novo herói e é Daniel Blake. Em 1972, Elio Petri lançou o visionário A classe operária vai ao paraíso,  que falava sobre alienação política. Um operário era tão obcecado pelo consumismo que enlouquecia. A classe operária, decididamente, perdeu o paraíso em Eu, Daniel Blake, mas o herói, magnificamente interpretado por Dave Johns, não é nem de longe um alienado. Logo no começo, Daniel Blake está passando por uma junta médica. Vive uma situação surreal. Quer voltar a trabalhar, mas, como teve um ataque do coração, não pode
. E também não tem direito ao seguro social.

UNIÃO Pior que ele talvez esteja a personagem de Hayley Squires, Katie, que cria sozinha dois filhos. Katie é atraída por uma promessa de emprego, mas, na verdade, é prostituição. Ambos, Daniel e Katie, se unem por seus direitos. Fazem guerra à burocracia do governo. Estamos na Inglaterra, mas a situação não é muito diferente da de outros países, incluindo o Brasil. Ao receber seu prêmio em Cannes, Loach afirmou que, “quando existe desespero, a história já nos mostrou que a direita se fortalece”. Para arrematar: “Precisamos acreditar na ideia de que um outro mundo é possível”.

Talvez a maior sacada de Loach em Eu, Daniel Blake tenha sido a decisão do diretor de entregar o papel a um ator de comédia. Dave Johns é um nome muito conhecido no stand-up da Inglaterra. Criou fama por seu humor ferino contra figuras públicas e instituições. Bem fiel ao seu método de provocar os atores, Loach, no primeiro dia de filmagem, lhe deu um formulário para preencher – o mesmo formulário que, na ficção, é entregue a Daniel Blake
. “Disse que, simplesmente, não ia conseguir. Era insano. Havia questões muito capciosas, mas que tinham de ser respondidas adequadamente. Imaginei o estresse de uma pessoa naquelas condições. Daria um ótimo esquete de humor, mas, na verdade, é a mais pura tragédia do cotidiano.”

Eu, Daniel Blake não é mais um bom filme de Loach. É um dos maiores. Talvez seja seu maior. Ele prova que o cinema social não se esgotou. Só precisa de um grande diretor como Loach.

 
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