Mais do que a França, que sempre apoiou seu cinema e virou um enclave de resistência a Hollywood, a Coreia do Sul talvez seja o único país no mundo em que os filmes nacionais impõem pesadas derrotas aos blockbusters estrangeiros – leia-se, dos EUA
Invasão zumbi usa o fantástico, mais até que o terror, para contar histórias de família. O filme é violento, intenso, mas, ao contrário das produção do gênero de Hollywood, não se alicerça sobre o conceito do susto. De cara, o diretor Sang-ho propõe um estranhamento. Na abertura, um boneco inflável, imitando gestos humanos, desvia um carro na estrada e, imediatamente há um acidente com um cervo. Morto, o bicho retorna como zumbi e encara a plateia.
Veja o trailer do filme:
Na cena seguinte, a história já é de família. O pai que só pensa na carreira e não tem tempo para a filha é forçado a acompanhar a garota, levando-a ao encontro da mãe
Vem de longe, na história do cinema, o fascínio pelos mortos-vivos. Vampiros, com seu sangue gelado, não deixam de ser uma categoria específica, mas, no começo dos anos 1940, o lendário produtor Val Lewton, em seu ciclo de terror, já contava histórias de zumbis. A morta-viva, o clássico de Jacques Tourneur. Pelos anos e décadas seguintes, mortos-vivos assombraram o imaginário do público até que, no mítico 1968, George A
Sabemos de onde vem esse fascínio pelos ressuscitados. Um pouco mais difícil é entender o que ele representa. Medo de quê? Da alienação? O trem de Sang-ho abarca toda a sociedade da Coreia do Sul. Os personagens viram representações sociais. Existem diferentes tipos de pais, de representações simbólicas da classe dominante. E existe uma imensa massa de manobra, que reage de maneira egoísta e, por isso, está condenada.
O estranhamento último de Invasão zumbi consiste em fazer o que nenhuma produção de Hollywood ousaria. No limite, o que Sang-ho conta são histórias de família. Há um personagem que concentra os defeitos de um comportamento típico da economia neoliberal. Dane-se a solidariedade, o grupo, é cada um por si. Bem no fim, há uma revelação que humaniza essa figura. O terror vira melodrama, de volta ao binômio pai/filha. É tão inesperado (disparatado?) que a plateia ri. Ridículo ou nervosismo? Talvez Invasão zumbi não seja tão grande quanto o Zack Snyder ou os melhores filmes de Romero, mas é muito bom. Boa parte do relato contrapõe gêneros humanos – a garota, a grávida, as idosas. Os jovens estudantes, o vagabundo, dois tipos de pais. A raridade é isso – um filme de terror, de zumbis, para refletir.