O nome pode até sugerir, mas ele não é um super-herói. Pelo menos não desses que conhecemos dos quadrinhos, com capas, máscaras e superpoderes. O Capitão Fantástico, personagem que rendeu a Virgo Mortenssen a indicação de melhor ator no Globo de Ouro, é apenas um pai de família que resolve criar seus seis filhos na floresta, isolados da civilização, ensinando-lhes tudo sobre o mundo, sob suas perspectivas racionais e libertárias.
Em uma espécie de rancho entre pinheiros, rios e montanhas no interior selvagem do Oregon, costa noroeste dos Estados Unidos, Ben vive com sua prole, de idades entre 8 e 18 anos. São três meninas e três meninos que atendem por nomes alternativos como Bo, Zaja e Vespyr. Afastados de qualquer tipo de vizinhança, escola ou comércio, os jovens aprendem com o pai desde técnicas de caça e sobrevivência a teorias da física e filosofia.
A rotina da família é marcada por treinos físicos, escaldas, leituras de livros e rodas de música e conversa em volta da fogueira. Tudo o que comem é colhido ou caçado por eles e, em vez do Natal, celebram o aniversário do filósofo libertário Noam Chomsky. A vida alternativa em harmonia é interrompida com o suicídio da mãe, que estava internada na cidade com transtornos psiquiátricos.
Para evitar que ela seja sepultada dentro do modelo tradicional cristão por sua família em San Diego, no Sul da Califórnia, Ben e as crianças decidem cair na estrada para realizar um dos últimos desejos da matriarca: ser cremada em uma cerimônia nada convencional. Além das belas paisagens, a jornada a bordo do ônibus cheio de livros e bugigangas mostra os conflitos entre o modelo de vida adotado por eles e o que conhecemos na chamada sociedade de consumo.
Dentro de sua proposta educacional, o Capitão Fantástico é capaz explicar para sua filha de 8 anos, de forma didática e sem nenhum constrangimento, exatamente como as crianças nascem ou por que sua mãe tirou a própria vida.
Ao longo da viagem eles enfrentam o choque provocado pelas estruturas do sistema capitalista, tão distante deles. Em alguns momentos, conseguem escapar bem, proporcionando momentos divertidos para o espectador. Em outros, os amplos conhecimentos em ciências naturais, literatura e direitos humanos dos jovens são incapazes de salvá-los de constrangimentos causados pela estranheza às normas convencionais de relações sociais.
A trama coloca o protagonista em rota de colisão com seu sogro Jack, interpretado por Frank Langella. O endinheirado e religioso senhor não aceita a forma que Ben vive com seus netos e o julga culpado pelos problemas que vitimaram a filha. Apesar do lugar de antagonista, ele não é colocado como vilão. Apaixonado pelos netos e capaz de confrontar as atitudes do genro com bons argumentos, seu discurso colabora com as reflexões que o filme propõe. O personagem de Mortenssen também tem discussões com seus próprios filhos, cada um com dilemas relativos à idade em que se encontra.
Em uma época de ideais tão polarizados pelo mundo, Capitão Fantástico se propõe a questionar tudo, inclusive os modelos de enfrentamento das estruturas tradicionais. Apesar do engajamento e das críticas certeiras ao sistema vigente na maioria das sociedades ocidentais, o filme não adota um discurso totalmente panfletário. O resultado é uma trama leve e divertida, acompanhada de belas imagens e boa trilha sonora, mas capaz de fazer repensar muitos aspectos ao nosso redor.
O filme é o segundo longa dirigido por Matt Ross. O primeiro foi 28 hotel rooms, de 2012, que não chegou a ser lançado no Brasil. Em sua carreira como ator, Ross nunca teve muito destaque, sendo mais lembrado apenas por papéis discretos nos sucessos Aviador (2004) e Boa noite, boa sorte (2005).
O lançamento pode representar uma mudança de patamar para o norte-americano de 46 anos. Exibido em diversos festivais internacionais neste ano, Capitão Fantástico já faturou pelo menos seis prêmios, incluindo o de melhor diretor da mostra Un Certain Regard, em Cannes, e o de melhor filme na escolha popular, em Roma..