Este ano vem sendo tão difícil para o povo brasileiro que o ator Caio Blat até se sente culpado.
“Cara, foi uma experiência incrível. Conheci o Domingos através da Maria (sua mulher), contaminado pelo olhar dela. A Maria ama o Domingos, tem profunda gratidão por tudo o que ele fez por ela. Na verdade, ele incorporou a Maria como atriz, ela fez um documentário sobre ele.
BR 716 retrocede ao começo dos anos 1960. O BR do título refere-se a um endereço. Poderia ser Brasil, mas é Barata Ribeiro, rua de Copacabana. O jovem Domingos vivia num estado de exaltação etílica, cercado de amigos e mulheres. Queria ser artista. O filme é sobre esse momento. “Antecede sua explosão com (os filmes) Todas as mulheres do mundo e Edu, coração de ouro.
SUBURBANA
O ator destaca os planos descontínuos, a memória inventada de BR 716. “Acho genial essa liberdade que ele se concede. A personagem da Sophie (Charlotte) é pura invenção. Uma suburbana que se constrói numa imagem de glamour. Isso é a essência de Domingos. Ao mesmo tempo, dentro do grupo, essa mulher idealizada é a que vai partir para a militância política num momento em que a ditadura está baixando a lenha”, observa o ator.
O Brasil inteiro num apartamento. Não mudou tanto assim. Caio Blat acha que, 50 anos depois, uma outra juventude está vivendo em crise, tentando se afirmar, quem sabe mudar o país. Preocupado, sente em toda a parte o desejo de manipular: “As coisas não estão sendo discutidas como deveriam.
Como é, para um ator, ser Domingos de Oliveira? Como dar voz a Domingos? “Não foi preciso pensar nesses termos. Ele se colocou no texto, e o texto me deu a chave. A cena me pedia um tom, foi só entregar”, explica Caio.
BR 716 levou vários prêmios na 44ª edição do Festival de Cinema de Gramado, em agosto: melhor filme nacional, diretor, atriz coadjuvante (Glauce Guima) e trilha, também assinada por Oliveira.
TV Outro motivo de comemoração para o ator em 2016 foi a novela Liberdade, liberdade, exibida pela Rede Globo. “Só a adesão do público às cenas de sexo gay já foi demais. A gente fez sem alarde. Não criou expectativa – vai ter, não vai? O Vinicius (Coimbra) ousou, fazia sentido dentro da dramaturgia. Foi maravilhoso”, afirma.
Neste finalzinho de ano, Blat se prepara para outra grande experiência. Ele, a mulher, a atriz Maria Ribeiro, e os filhos vão a Londres. “Fui convidado, o único latino-americano, para fazer uma série da BBC, McMafia. Baseia-se num livro investigativo da criminalidade em tempos de globalização. A máfia como organização multinacional. Vou filmar em Londres e na Croácia, em inglês”, conta, entusiasmado.
Simultaneamente, Caio vai apresentar na Alemanha e em Portugal a peça Comédia latino-americana, que recentemente encerrou temporada em São Paulo. “Foi outra coisa enriquecedora. Felipe (Hirsch, o diretor) nos fez investigar muitos autores latinos para chegar ao texto final. E nem era um texto final, porque ele a toda hora estava mudando. Acho que os europeus vão ficar loucos”, revela. (Estadão Conteúdo)
BR 716
Direção: Domingos Oliveira. Com: Caio Blat, Sophie Charlotte e Maria Ribeiro. Em cartaz no Cine 104 (Praça da Estação, 104, Centro), às 17h, 19h e 20h40 (exceto asexta)
ELE NÃO PARA
Aos 80 anos, Domingos Oliveira (foto) enfrenta o mal de Parkinson. Mas continua na ativa. Tanto é que BR 716 é seu 18º longa. Em quase seis décadas de carreira, esse carioca fez de tudo: escreveu, criou roteiros, atuou e dirigiu. Trabalhou no cinema, teatro e televisão. Escreveu 26 peças e dirigiu 57, publicou cinco livros e participou de 50 telefilmes. Um de seus longas de destaque é Todas as mulheres do mundo (1967), estrelado por Leila Diniz, com quem foi casado..