Chega nesta quinta (1) aos cinemas o filme que levou para as telas um livro que mexeu com muita gente, ganhou prêmios e traduções em diversas línguas: O filho eterno, de Cristóvão Tezza, publicado em 2007. A obra teve enorme repercussão, sobretudo por se tratar do relato de um pai cujo filho tem síndrome de Down. Nenhum problema com o menino, mas o pai entra em parafuso e é obrigado a repensar seus valores. O cineasta Paulo Machline, que filmou a obra, também ficou tocado pela história dessa figura paterna especial, que comove e choca por seu dramático narcismo. “Se cada um que for ao cinema mudar um pouquinho o seu ponto de vista sobre o amor, ficarei imensamente feliz”, conta o diretor em entrevista por escrito.
“Fiz um filme que transforma, que traz uma sensibilidade, uma emoção”, conta Machline. “Sempre que termino um filme, gosto de revê-lo algumas vezes no cinema. E é nesse momento que sinto que concluí o processo. No caso de O filho eterno, a satisfação vem de ter feito um trabalho que tem potencial de gerar discussões sobre diversos temas, como paternidade, preconceito, maternidade, inclusão e também síndrome de Down especificamente”, explica. “Claro que olho para o filme como um todo e fico feliz ao ver as atuações, a decupagem, a montagem. Mas, neste caso, a satisfação ultrapassa as telas e propõe uma discussão social. É uma boa sensação”, acrescenta, ciente de que a trama mexe com o espectador.
O trabalho nasceu do convite do produtor Rodrigo Teixeira, detentor dos direitos do livro, a Machline para dirigir a versão cinematográfica. “O assunto era desconhecido para mim. Depois de ler o livro, iniciei uma pesquisa profunda e entendi que aquele processo poderia mexer comigo”, recorda. “Aceitei o convite e mergulhei nesse mundo desconhecido. Acredito que, ao entrar num projeto, o assunto deve ser algo de absoluto domínio ou algo desconhecido o suficiente para que possamos colocar um novo olhar. O filho eterno foi a segunda opção”, explica.saiba mais
Em 1998, dirigiu Uma história de futebol, indicado ao Oscar na categoria de melhor curta-metragem em live-action. Realizou os longas Natimorto (2009), baseado no livro de Lourenço Mutarelli, e Trinta (2014), sobre o carnavalesco Joãosinho Trinta. Agora, ao chegar ao terceiro longa, diz acreditar muito no que foi realizado em cada momento da carreira. “Cinema é um exercício de liberdade e paciência. Liberdade para propor projetos e paciência para realizá-los”, garante. “Trinta, por exemplo: foram 12 anos entre a ideia e o lançamento”, exemplifica. “Ano que vem faço 50 anos. Não sei quantos filmes ainda farei, mas não serão muitos, a não ser que eu tenha a saúde do Manoel de Oliveira!”, observa com ironia, lembrando-se do diretor português que morreu aos 106 anos. O modo de se manter ativo na carreira de diretor, conta, tem sido intercalar filmes e séries de TV. “Acredito que esse é o caminho, se o mercado continuar permitindo. E tenho filmes bastante pessoais para fazer e pretendo filmá-los até os 60 e poucos”, avisa.
PROJETOS No momento, Paulo Machline está no Uruguai filmando a segunda temporada da série O hipnotizador para a HBO. Mas já tem novos projetos na agenda. “Em 2017, pretendo rodar o longa Meu sangue ferve por você, uma comédia romântica musical sobre o dia, no final dos anos 1970, em que Sidney Magal conhece Magali, que se tornaria sua mulher, e contar até o casamento deles. Um roteiro divertido em que estamos trabalhando há mais de um ano. Depois parto para um desafio internacional que ainda não posso revelar. Ao mesmo tempo, venho trabalhando muito em um roteiro superautoral, pessoal mesmo, que tem muito a ver com minha vida, embora não seja autobiográfico”, conta.
Três perguntas para...
Paulo Machline, cineasta
Qual o seu sentimento sobre Roberto (personagem de Marcos Veras)?
Roberto é um pai clássico de um outro tempo. Na minha opinião, ele não rejeita o filho. O objetivo dele, no meu ponto de vista, é encontrar uma forma de amar aquele filho que não nasceu da forma esperada. Infelizmente, nossa sociedade faz com que essa atitude esteja na natureza humana e, principalmente, no homem. Precisamos evoluir. O filme se passa nos anos 1980, mas durante o desenvolvimento encontrei muitas histórias parecidas. O ser humano precisa evoluir, entender que o amor é o sentimento mais nobre e mais natural. Está ao nosso lado.
E sobre Cláudia (vivida por Débora Falabella)?
A personagem Cláudia é uma mãe que também segue a natureza humana de que “mãe não tem escolha”. É claro que tem! A mãe sofre tanto quanto ou mais, ela alimenta aquele bebê, mas isso não é necessariamente uma obrigação. Isso é amor. Amor e força interior. Cláudia escolhe o amor. As mulheres são mais fortes do que os homens, isso é um fato. Sabem lidar com a imensa maioria dos assuntos com sensibilidade e razão, os homens que entendem isso são mais felizes, melhores pais, melhores amigos e melhores companheiros.
O que é o maior prazer e a maior dor de cabeça de quem faz filmes?
O maior prazer é a realização. Da premissa ao lançamento, passando por roteiro e filmagem. Gosto muito de filmar e fico triste quando não tenho muito tempo com os atores, o que é meu maior prazer. O processo de financiamento de um filme (a “dor de cabeça”) está mais transparente e sério, o que é bom. Espero que o trabalho da Agência Nacional do Cinema (Ancine) siga o caminho dos últimos anos, até porque dá resultado, gera renda e emprega muita gente. Seria lamentável qualquer mudança radical. No entanto, essa discussão faz parte da política do país e nessa seara tudo pode acontecer.
Confira o trailer: