A comunicação é a chave do filme 'A chegada', de Denis Villeneuve

A atriz Amy Adams vive a linguista brilhante convocada para falar com aliens depois de passar por uma grande perda

por Agência Estado 29/11/2016 09:11

Sony Pictures/Divulgação
Amy Adams vive a linguista Louise Banks, que tem a missão de se comunicar com alienígenas. (foto: Sony Pictures/Divulgação)

Com seus imensos olhos azuis, Amy Adams já foi escalada para viver princesas (Encantada), freiras (Dúvida), Lois Lane (nos novos filmes com o Super-Homem), donas de casa (Julie & Julia) e a mulher do fundador de uma seita (O mestre). A Academia a adora: concorreu cinco vezes ao Oscar. E tem boas chances novamente este ano, em dose dupla, com A chegada, de Denis Villeneuve, que está em cartaz em Belo Horizonte, e Animais noturnos, de Tom Ford, com lançamento no Brasil previsto para este mês. Além da habilidade de se transformar em mulheres diferentes, a atriz de 42 anos parece uma pessoa normal. Na entrevista coletiva, em Los Angeles, aparece elegante, claro, mas brinca que nem a equipe a reconheceu quando chegou ao local com roupas de pilates, o cabelo preso num coque displicente e sem maquiagem.

Em A chegada, interpreta uma linguista brilhante, convocada pelo governo para se comunicar com os alienígenas que estacionaram suas naves em diversos pontos do mundo. A doutora Louise Banks lidera a equipe que tenta desvendar o que eles querem. ''Seria maravilhoso ter uma língua universal. Mas estamos bem longe disso'', diz Adams. ''O que temos em comum são as emoções e nossa experiência humana. Somos todos iguais. Todos temos medos, compaixão, amor, raiva. Mas não sabemos nos comunicar.''

 

O longa do franco-canadense Denis Villeneuve (Sicário: terra de ninguém, Os suspeitos), baseado num conto de Ted Chang, não foi pensado como uma declaração política. Mas terminou tendo esse contorno, dados os últimos acontecimentos no mundo, impulsionados pela polarização de opiniões em que ninguém parece se entender, ou mesmo querer tentar se entender. ''O filme ganhou um peso geopolítico maior do que o pretendido'', afirma Adams. A suposta conexão por meio das redes sociais não a interessa. ''Para mim, não é real. Uma das coisas que sempre me incomodaram é ser mal interpretada. Quando você não está cara a cara comigo, tudo pode ser tirado do contexto. Então, para mim, colocar ideias nas redes sociais não é a melhor maneira de me comunicar.'' Adams confessa não ser adepta nem de SMS. Prefere mesmo telefonar.

 


Rodar A chegada teve alguns momentos incômodos, como a filmagem num campo cheio de lama. ''Leonardo DiCaprio me disse uma vez: 'A dor é temporária, um filme é para sempre'. É uma coisa de nada comparada com o que pessoas enfrentam ao redor do mundo.'' Mas ela tem evitado trabalhar com pessoas agressivas – Adams não esconde seus problemas no set de Trapaça, de David O. Russell, famoso por gritar e tratar mal seus atores. A razão é sua filha Aviana, de 6 anos. ''Más experiências são parte de qualquer trabalho. Todos tivemos chefes que nos fizeram pensar: 'Nossa, não precisava ser tão difícil'. Só que, neste momento, para mim é fundamental manter sanidade e estabilidade mentais.''

Em A chegada, conta, teve uma de suas melhores experiências num set de filmagem. ''Talvez porque estivessem falando francês, então nunca sabia se havia uma emergência'', disse. Um raro caso em que a comunicação incompleta pode ser uma vantagem. 

Uma luta de superação

Amy Adams faz uma linguista em A chegada. Rapidamente, o roteiro nos informa de sua perda. E chegam os ETs. Amy é convocada pelo militar Forest Whitaker, que já utilizou sua habilidade na decifração de línguas e códigos numa questão envolvendo o Talibã. Agora, a missão é complexa. Dela pode depender o futuro da Terra. O que querem os ETs? Como se comunicar com eles? Amy não é designada sozinha para o caso. Com ela trabalha Jeremy Renner, como um matemático.

O novo filme do canadense Denis Villeneuve, como os anteriores Incêndios e Sicário, reafirma que a obra do diretor é uma tentativa de compreender a violência do mundo. O texto de Wajdi Mouawad sobre o último pedido de uma refugiada a seus filhos, a policial que tem seu batismo de sangue com o tráfico na fronteira mexicana. Villeneuve gosta dessas mulheres frágeis e fortes.

Numa mensagem gravada, quando seu filme inaugurou o Festival do Rio, ele contou que foi marcado por 2001, a obra-prima de Stanley Kubrick. Sempre quis fazer uma ficção científica. Descobriu a história de Ted Chiang. Não era fácil de adaptar. O roteiro de Eric Heisserer, do sinistro Quando as luzes se apagam, forneceu-lhe a chave.

O cinema contou muitas histórias de ETs do mal, quase sempre para acirrar a paranoia que ronda a ''América''. É uma sociedade que, como dizia o grande Arthur Penn, teme o outro, o diferente, e só consegue resolver seu conflitos pela violência. Quando Amy e Renner iniciam a comunicação com os bizarros ETs – octópodes –, o avanço é lento. Alguém já disse que eles alfabetizam os alienígenas. Menos – na verdade, eles pertencem a uma civilização superior. A grande questão que logo se forma é o significado atribuído a um signo, porque a comunicação é feita por signos, não palavras – arma ou ferramenta?. Amy sustenta que é ferramenta, os militares dizem que é arma e já querem atacar.

A chegada é menos denso e apaixonante que Incêndios ou Sicário, mas propõe, certamente, uma dupla experiência das mais intensas. É visualmente belo, e misterioso. As naves dos ETs são alongadas e, para chegar até eles, é preciso atravessar um corredor. Havia outro (corredor) subterrâneo que era passagem para os traficantes na fronteira, lembram-se? Aqui, o significado é outro.

Não existe muita ação, porque a aventura é interior. Amy – sua personagem – adquire um poder. Supera a própria perda – superar talvez não seja a melhor definição, porque é uma coisa muito dolorosa – e com certeza torna-se uma pessoa melhor, mais tolerante. Certas coisas, no filme, são tão misteriosas que algumas reviravoltas da narrativa beiram o inexplicável. Talvez seja a essência de A chegada. A comunicação e o entendimento não dependem da racionalidade, ou só dela. Ligam-se à emoção. Viajar nos enigmas de A chegada é o tipo de experiência que vale compartilhar. 

 

Abaixo, confira o trailer de A chegada:

 

 

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