Pouco mais de uma semana depois da eleição de Donald Trump para comandar os Estados Unidos e 48 horas antes da celebração do Dia da Consciência Negra, a estreia de Um estado de liberdade é bastante oportuna. Com temática sobre a América politicamente dividida e terrível cenário de intolerância racial, a trama filmada por Gary Ross é extremamente atual, embora se passe há 130 anos, durante a guerra civil que dividiu os EUA.
Trata-se da história do Estado Livre de Jones, território inter-racial de resistência aos confederados escravocratas do Mississipi, que durou de 1881 a 1886. O grupo de desertores e escravos fugidos era liderado por Newton Knight, ex-combatente do Exército sulista, cansado das sanguinárias batalhas, mas motivado por ideais de liberdade e igualdade.
O herói épico, inspirado em personagem real da história americana, é mais um passo na consolidação de Matthew McConaughey como um dos mais talentosos atores hollywoodianos da atualidade. Desde que superou o posto de mero galã de comédias românticas, ele já foi um cruel assassino em Killer Joe – matador de aluguel (2013) e conquistou o Oscar e o Globo de Ouro, em 2014, vivendo um eletricista soropositivo no drama Clube de Compras Dallas.
Em Um estado de liberdade, McConaughey brilha novamente, mas acaba ofuscado pelo roteiro e pela falta de coadjuvantes à altura. Com fotografia caprichada e caracterização rica nos detalhes de cenário e figurino que remontam ao Sul dos Estados Unidos no século 19, o longa mostra a trajetória de Newton Knight – da deserção à resistência armada aos confederados.
Paralelamente, a narrativa remete a desdobramentos futuros dos descendentes de Knight, oriundos de sua união ilegal, na época, com uma ex-escrava. Isso se dá por prolepses confusas, mal explicadas e irrelevantes na trama. O resultado é desastroso. A história se arrasta por muito tempo até o espectador entender o que realmente está sendo contado pelo filme e a relação entre os personagens.
Outro problema são as outras personagens.
Baseado nos livros Free state of Jones, de Victoria E. Bynum, e The state of Jones, de Sally Jenkins e John Stauffer, o filme se salva pelo compromisso com a história. Não apenas pela fidelidade aos fatos, com passagens didáticas sobre a Guerra Civil e a abolição da escravidão após o acordo de paz entre Sul e Norte, mas principalmente por mostrar a gênese do racismo nos Estados Unidos, exponenciada pelo surgimento de movimentos deploráveis como a Ku Klux Klan e a conquista de direitos civis por parte dos negros.
No momento em que a maior potência mundial se mostra chacoalhada por divisões políticas e discursos de intolerância étnica, o cinema cumpre o papel de escancarar a história, principalmente em seus episódios mais constrangedores..