A última edição do Festival de Brasília, realizada em setembro, revelou a força do cinema produzido em Minas Gerais. Mais ainda: o talento da nova geração de diretoras mineiras ou radicadas no estado. O vencedor A cidade onde envelheço, que arrebatou quatro prêmios – longa-metragem, direção (Marília Rocha), atriz (Elisabete Francisca e Francisca Manuel) e ator coadjuvante (Wederson Neguinho) –, é o principal exemplo desse profícuo momento.
Luana Melgaço, de 37 anos, sócia da produtora Anavilhana em parceria com as diretoras Marília Rocha e Clarissa Campolina, acredita que a participação em Brasília foi muito importante, trazendo visibilidade para o trabalho feito em Minas. Três produções do estado que disputaram o Troféu Candango (A cidade onde envelheço, Solon e Estado itinerante) foram dirigidas, roteirizadas e protagonizadas por mulheres.
“É muito bom saber que diretoras, produtoras e roteiristas estão realizando seus primeiros curtas e longas e começando a se destacar”, comenta Luana. “Quando a mulher tem a oportunidade de escrever uma história a partir do seu universo, é possível desconstruir aquela imagem da sociedade baseada na razão, no olhar e no pensamento masculinos. É importante que nossa sociedade seja revista e histórias possam ser contadas também a partir da experiência das mulheres e de outros segmentos descartados e calados por essa sociedade patriarcal, branca, ocidental e machista”, defende.
Outra mineira premiada em Brasília foi Ana Carolina Soares, de 30 anos. Estado itinerante, seu primeiro curta-metragem, traz no elenco não-atores, com exceção da protagonista Lira Ribas. Ela faz o papel de Vivi, moradora da periferia de BH que passa por um período de experiência como cobradora de ônibus.
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“Quando comecei a observar as cobradoras da linha que uso, veio o desejo de falar da mulher de periferia/trabalhadora e da violência urbana presente em cotidiano. Sinceramente, não esperava que o filme fosse selecionado para Brasília. Mandei já no final do processo de inscrição e foi uma surpresa. Depois da projeção, percebi que havia chegado com muita força. A participação das pessoas no debate, as reportagens e todos os realizadores que vieram conversar comigo demonstraram que Estado itinerante foi bem recebido e bem compreendido”, celebra.
Estado itinerante levou o troféu especial do júri em Brasília, ficou entre os 10 favoritos do público no 27º Festival Internacional de Curtas de São Paulo e ganhou o prêmio de melhor filme na Mostra Fronteiras Imaginárias do Festival Visões Periféricas do Rio. “Este é o momento de pauta sobre a mulher, as curadorias de festivais adotaram esse tema. As mulheres estão unidas em coletivos, cobrando participação, e, nessa mesma época, três cineastas mineiras ganharam destaque em festivais. Porém, pela quantidade de diretoras que vejo trabalhando, ainda falta o grande momento”, adverte Ana Carolina, questionando a supremacia masculina em projetos aprovados em editais.
Luana Melgaço observa que o número de diretoras e roteiristas em posição de destaque é muito inferior ao de homens. Para a produtora de A cidade onde envelheço, o mercado é machista e sexista, destinando à mulher posições secundárias. “As estatísticas impressionam: menos de 15% dos diretores de cinema brasileiro são mulheres. Isso demonstra o quanto é preciso batalhar para conquistar o espaço ainda tão destinado aos homens, além de quebrar paradigmas, enfrentar o machismo nas relações cotidianas e profissionais. É politicamente urgente que festivais, editais e instâncias públicas se preocupem em equilibrar melhor as seleções, começando pela escolha das comissões de decisão, para reverter a desigualdade de gênero e gerar novo ciclo de representatividade, tanto em funções de comando e criativas quanto na forma como as mulheres são representadas nos filmes”, ressalta.
Clube da aranha
Outro destaque de Minas é a diretora Juliana Antunes, de 27 anos. A paixão surgiu na adolescência, quando ela trabalhava em uma videolocadora em Itaúna, onde nasceu. O primeiro longa, Baronesa, aprovado no Edital Filme Minas, está em fase de finalização. Juliana morou por seis meses na Vila Mariquinhas, na Região Norte de BH, onde rodou a trama sobre o cotidiano feminino na periferia.
“É a mulher olhando para a mulher sem as tintas da delicadeza, do sentimental e toda aquela moldura edulcorada da tal e tradicional feminilidade”, resume. Para Juliana, apesar de o momento ser favorável, é preciso mais. “A gente ainda tem que correr atrás de muita coisa. Aproveitando a força do mulherio, criamos o Cineclube Aranha, espaço dedicado ao debate crítico sobre o cinema a partir do olhar feminino”, conta. O projeto surgiu de sua parceria com Giselle Ferreira, Marcela Santos, Mariah Soares e Lygia Santos.
A proposta é exibir filmes de diretoras, além de fomentar o debate sobre a importância da presença feminina nos sets, na crítica e nas telas. “Queremos incentivar a capacitação técnica das mulheres e, consequentemente, a formação de uma rede de contatos que facilite a inserção delas nas funções vitais do fazer cinematográfico”, destaca Juliana Antunes.
A jovem diretora acaba de rodar um curta com a atriz mineira Bárbara Colen, de Aquarius, no papel de uma trabalhadora de fábrica de reciclagem em Contagem. Outra produção dela, Plano controle, curta de ficção científica, começa a ser gravado no fim do mês.
Primeiro longa da belo-horizontina Emília Ferreira, de 33 anos, Entrelinhas fala sobre a mulher que assume o controle de sua arte e de sua história. O filme competiu na categoria premiére da Mostra de Cinema de São Paulo, encerrada esta semana. A produção estrangeira tem equipe parcialmente brasileira encabeçada por Emília, que foi para os Estados Unidos estudar cinema.
“Na exibição de abertura, tivemos sala cheia e contamos até com a presença do (diretor) Bruno Barreto. Os atores norte-americanos vieram e participamos de um interessante debate. Estou superfeliz, já estamos conversando com distribuidores brasileiros. Quem sabe poderemos mostrá-lo em breve em Minas?”, conclui.