Existe uma opção ética quando se está envolvido com o horror? Essa é a pergunta de base de Kóblic, de Sebastián Borensztein, mesmo diretor de Um Conto Chinês. De novo, como protagonista, Borensztein escala Ricardo Darín, ator símbolo e fetiche do cinema latino-americano. Aqui, ele é Tomás Kóblin, oficial da Marinha argentina nos anos da ditadura militar (1976-1983). O filme está em cartaz nos cinemas.
Naquele tempo, os inimigos do regime eram torturados, assassinados e seus corpos muitas vezes desovados no mar, nos chamados "voos da morte".
Nesse ambiente de terror, vemos Tomás Kóblic buscar refúgio em uma cidadezinha afastada dos grandes centros. Quem o acolhe é um amigo, dono de um hangar, que o emprega como piloto de aviões usados para pulverizar plantações com agrotóxicos. E aqui temos Darín em seu campo de jogo preferido – o do homem triste, porém sedutor. Carrega consigo um segredo, viu muita coisa feia, mas não perdeu nem o charme nem o senso de justiça.
A parte política, a bem dizer, fica quase todo o tempo na condição de pano de fundo. Mas é um fundo de cena que estrutura o todo e dá sentido à ação. O filme ocupa-se mais com a microssociedade onde Kóblin foi parar. Colonia Santa Elena está longe de ser um lugar aprazível, espécie de oásis em meio ao inferno da ditadura. Pelo contrário, o regime se reproduz lá mesmo, longe da capital. Tem capilaridade e lança tentáculos em toda direção. As ditaduras são assim. Precisam ser totais, além de totalitárias. Como isso é, no limite, impossível, caem. Mas às vezes isso demora a ocorrer.
Tudo leva à composição de um ambiente que cheira meio a faroeste com o protótipo da cidadezinha cheia de pecados inconfessáveis, que recebe de má vontade o forasteiro e sente que ele será uma ameaça aos interesses de todos. No caso específico, esses mandachuvas locais terão todos conexão com os milicos que eram os que, de fato, mandavam no país àquela altura.
Kóblic é muito bem realizado e, partindo de um roteiro simples, não deixa pontas soltas. Como tem intenções comerciais, preocupa-se em inserir na receita um caso amoroso, mesmo tratando de questões tão ásperas quanto crimes contra a humanidade e dramas de consciência. Além da questão amorosa, Sebastián Borensztein traz outros trunfos para o filme, como o elenco de ponta e o registro fotográfico preciso. Darín é Darín e, já por si, uma atração e tanto. Mas Oscar Martínez não fica atrás e é fantástico como Velarde, o delegado que comanda o povoado com mão de ferro. Inma Cuesta é uma graça de mulher e mesmo papéis secundários caem em mãos de bons atores. Há homogeneidade no elenco, os diálogos são bem cortados e as situações, críveis.
Com algumas concessões, Borensztein consegue retratar esse clima comum a todas as ditaduras, quando, à sombra do poder central despótico, despontam em toda parte chefetes de todos os matizes. São representantes da ditadura, seus sustentáculos e, ao mesmo tempo, seus parasitas. Crescem de maneira indisciplinada e ganham autonomia.
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