Desde 2010, quando um terremoto na capital Porto Príncipe tirou a vida de 150 mil pessoas, o Brasil virou o destino de milhares de haitianos, que procuravam refúgio da situação degradante que o país de origem, o mais pobre entre os latino-americanos, se encontrava.
Atualmente, cerca de 50 mil haitianos vivem no Brasil, 2,8 mil só em Minas Gerais, segundo a Polícia Federal.
Embora passem quase despercebidos nas grandes cidades brasileiras, eles vivem o mesmo drama de outros milhões ao redor do mundo, forçados a abandonar suas terras e perdidos nas dificuldades da língua, nas burocracias das leis e na falta de acolhimento no novo país.
A partir de hoje, a mostra Linhas Imaginárias traz o olhar do cinema sobre a questão migratória no mundo, com 20 filmes exibidos gratuitamente nos próximos 15 dias.
Logo na abertura, a partir das 19h de hoje, será exibido o documentário inédito Nou pap obeyi – Não vamos obedecer, de Daniel Lima, que mostra a militarização do controle social ocorrendo atualmente em relação aos imigrantes haitianos na América do Sul. A sessão contará ainda com os comentários do professor, escritor e esquizoanalista Gregório Barembitt e do diretor Daniel Lima.
Depois do filme, o público terá a oportunidade de experienciar um pouco da cultura haitiana em uma cerimônia com músicas e comidas típicas. O menu de degustação inclui pratos como o bannann com piklez (banana verde frita com picles de cenoura e cebola) e o acra com malanga, que é uma espécie de croquete de inhame.
Também será servido um licor à base de coco, produzido pela comunidade haitiana que reside no Bairro Petrolândia, em Contagem, na Região Metropolitana de BH.
“Queremos sublinhar a questão dos haitianos aqui, já que eles são maioria entre os imigrantes e estão em situação mais delicada”, explica Beatriz Goulart, curadora da mostra.
Com pelo menos 10 anos de experiência na produção da Mostra de Cinema de Direitos Humanos em Belo Horizonte, ao lado de Alexandre Pimenta, no comando da Pimenta Filmes, Beatriz destaca a importância desse momento cultural no contexto da mostra: “Queremos aproximar o que parece distante, mas não é”.
Direitos humanos
A programação da mostra vai além do Haiti. A ideia é contemplar toda a questão migratória mundial. “Pensamos em uma retrospectiva do Cinema e Direitos Humanos, começamos a pesquisar, e vimos que havia poucas ações em termos do cinema e arte junto à imigração, eu ainda não havia visto essa abordagem no país”, explica Alexandre Pimenta.
Pimenta conta que a curadoria assistiu cerca de 200 produções de vários países e contou com colaborações estrangeiras para selecionar os filmes que seriam exibidos.
O resultado é uma grade que inclui títulos da Itália, Colômbia, Cingapura, Japão, Cuba, Ucrânia, Reino Unido e Portugal, com o objetivo de contar sobre as linhas imaginárias que limitam a existência de tantas pessoas em fluxos migratórios pela Terra.
Um dos destaques é O abraço da serpente, filme colombiano e brasileiro, que será exibido pela primeira vez em BH. “É uma viagem estética maravilhosa, conta a história de um índio solitário na selva colombiana que é visitado por um estrangeiro e pede para ser o guia dele na floresta para buscar uma planta medicamentosa”, explica Beatriz, sobre o longa filmado em preto e branco. “Mostra os limites da própria pessoa, o inconsciente e a busca da sabedoria”, completa Pimenta.
As histórias de indígenas, latinos, europeus, asiáticos e todo tipo de gente que de alguma forma é forçada a abandonar seu território de origem atendem ao eixo curatorial proposto pelo Cine Sesc Palladium para o mês de setembro. A ideia era mostrar filmes que tratassem do deslocamento humano.
“A gente quer que a mostra cresça e permaneça no calendário do Sesc, para que a gente possa destacar outras nacionalidades nos outros anos, com histórias sobre essas hordas humanas que ficam presas nessas linhas imaginárias e não têm como voltar atrás. Se os órgãos internacionais não se sensibilizaram e frearem um pouco o capitalismo isso não vai mudar”, declara a curadora da mostra.
A programação ainda inclui oficinas de cinema e também um bazar cultural africano, com a venda de roupas e artefatos do Senegal, Angola e Nigéria.
Mostra Linhas Imaginárias.
Até 30 de setembro, no Sesc Palladium (Av. Augusto de Lima, 420, Centro, (31) 3214-5350. Entrada franca, com ingressos distribuídos 30 minutos antes das sessões (lotação sujeita à capacidade da sala). Programação completa no site www.sescmg.com.br.