Em outubro de 1994, três estudantes de cinema desapareceram na floresta enquanto filmavam um documentário. As gravações foram encontradas um ano mais tarde por um aluno de antropologia. Entregue à polícia, que não deu importância ao fato, o material acabou liberado para exibição pública.
É basicamente essa a informação que havia na introdução de A bruxa de Blair, lançado em 1999. Graças à repercussão planetária – custou US$ 60 mil e lucrou US$ 248 milhões –, o longa virou marco do chamado found footage – “filmagem encontrada”, em português.
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O sucesso acabou abrindo caminho para uma série de filmes de terror produzidos com a mesma premissa. Atividade paranormal (que virou franquia) e REC estão entre eles.
Mais do que a história em si, A bruxa de Blair chamava a atenção pela maneira como foi realizada sua divulgação. A maior parte dela se deu na internet – e olha que, na época, não havia smartphones nem tampouco redes sociais. O espectador ia ao cinema sem saber realmente do que se tratava.
Hollywood gostou da causa e, um ano mais tarde, foi lançado Bruxa de Blair 2 – O livro das sombras. Foi um fracasso total – custou US$ 15 milhões e lucrou US$ 48 milhões. Vieram outras franquias e o assunto ficou esquecido. Até agora.
Bruxa de Blair, que chega hoje aos cinemas do Brasil e amanhã aos EUA, busca, 17 anos depois do filme original, contar a mesma história, só que ao sabor dos dias atuais. O longa estreia em 25 salas da Grande BH.
Assim como o primeiro longa, o projeto foi realizado sem alarde e com pouco (mas nem tanto) dinheiro (custou US$ 5 milhões). Só foi anunciado alguns meses atrás. Adam Wingard (de Você é o próximo) dirige o filme, que parte da história original.
Até o início é igual – o público está prestes a ver a edição do vídeo encontrado pelos jovens que desapareceram em 2014.
James (James Allen McCune) tinha 4 anos quando a irmã, Heather, sumiu depois de uma incursão à floresta de Black Hills, em Maryland (EUA).
Ela fazia parte do grupo original, que pesquisava sobre a lenda da Bruxa de Blair. A internet o faz reunir seus amigos – Peter (Brandon Scott), Ashley (Corbin Reid) e a estudante de cinema Lisa (Callie Hernandez) – para voltar ao local e tentar descobrir o que ocorreu. James encontrou, on-line, gravações que não apareceram na época.
O quarteto parte para o local com todos os recursos possíveis: câmeras com GPS, walkie-talkies e até mesmo um drone. A partir da chegada à floresta, o filme se torna repeteco do original. Porém, com quase duas décadas de diferença, há alguns acréscimos.
Há mais opções de câmera e as imagens não são tão ruins quanto as de 1999. Mesmo assim, escolha assentos mais ao fundo da sala, pois a profusão de imagens e a edição rápida por vezes cansam os olhos.
A bruxa de Blair original tinha como trunfo o desconhecido. O espectador, até então, não sabia a que assistiria. Os personagens tampouco sabiam o que os esperava. Estavam todos no escuro. Assim, os sustos vinham de onde menos se previa.
Hoje, o recurso do found footage já foi deveras explorado por produções de suspense e terror. E a lenda da Bruxa de Blair, que ganha outras nuances no novo filme, permanece a mesma, no fim das contas. Resumo da história: contra o sobrenatural, nem toda a tecnologia do mundo é capaz.
À moda antiga
A nova onda de filmes de terror inteligentes e de baixo custo está desafiando os grandes estúdios com uma fórmula que troca o exce
sso de sangue e sofisticados efeitos especiais pelo bom suspense à moda antiga.
Espera-se que O homem nas trevas – em cartaz em 19 salas da Grande BH – tenha tanto sucesso quanto Babadook e Corrente do mal (ambos de 2014). Esses filmes se deram bem com o “boca a boca”, ganhando impulso à medida que os críticos exaltam a recusa de apostar em recursos de terror habituais.
“O estilo de terror que prevalece hoje é tudo que seja inteligente, a nova versão de uma viagem histórica ou um trailer incrível”, observa Jeff Bock, da Exhibitor Relations, empresa especializada em pesquisa da indústria cinematográfica.
Corrente do mal, inspirado na obra de mestres da década de 1980 como Wes Craven e John Carpenter, é citado como uma joia dessa nova tendência. Seu diretor, o americano David Robert Mitchell, foi aclamado por tecer a bem-arquitetada trama que transformou em algo original o clichê de adolescentes ameaçados por uma força sobrenatural maligna.
O homem nas trevas é o segundo longa do diretor uruguaio Federico Álvarez depois do remake do clássico do terror A morte do demônio, lançado em 2013.
Com orçamento de US$ 10 milhões, o longa mostra um trio de amigos que invade a casa de um ermitão cego e se vê às voltas com aterrorizante luta entre a vida e a morte.
“Quando apresentamos o filme, as pessoas não tinham nem ideia do que se tratava. Não fizemos trailer, não fizemos nada”, explicou o protagonista Daniel Zovatto, costarriquenho de 25 anos.
O que torna o longa diferente é recorrer muito pouco ao susto gratuito, elemento básico nos filmes adolescentes de terror. “A nova onda trouxe uma perspectiva diferente ao gênero, além de novos diretores. Federico Álvarez e David Robert Mitchell, por exemplo, estão mudando o panorama”, diz Zovatto.
Álvarez, que conseguiu quase US$ 100 milhões com A morte do demônio, orgulha-se de “ver o que fazem os outros e ir na direção contrária”.
Agora, o uruguaio, de 38 anos, queria evitar casas encantadas, motosserras e zumbis. Afinal de contas, ele cresceu assistindo aos clássicos de Alfred Hitchcock com o pai.
“Terror nunca foi sustos e sobressaltos, mas suspense”, afirma o cineasta. “Gosto de muitas coisas e queria trazê-las para O homem nas trevas: uma era o suspense; a outra, a dúvida moral dos personagens”, explica.
Em vez de apostar em histórias “mastigadas”, Álvarez acredita na incorporação de matizes ao caráter dos personagens para que o espectador decida por si mesmo quem merece sobreviver, quem deve receber o dinheiro e como tudo vai acabar. (AFP)