A história que serviu de roteiro para o diretor Caíto Ortiz começou a ser escrita em dezembro de 1983, quando a Taça Jules Rimet, cuja posse definitiva fora conquistada com o tricampeonato mundial no México, em 1970, foi roubada da sede da atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF), no Rio de Janeiro. Inacreditavelmente, a réplica ficava no cofre, enquanto a original, de ouro, era exposta atrás de um vidro facilmente violável.
Depois da intensa mobilização das autoridades responsáveis, envolvidos e suspeitos foram presos e a versão oficial dá conta de que o troféu acabou derretido por um ourives argentino. No entanto, pouco se provou a respeito e nenhuma evidência foi encontrada até hoje. Restou aos brasileiros o registro tragicômico de que fomos a única nação capaz de conquistar a taça no campo, mas não conseguimos evitar que a surrupiassem dentro da CBF.
O roubo da taça conta essa história, aproveitando-se do mistério e das contradições do caso para criar a sua própria versão. A personagem principal, supostamente, é Dolores, interpretada por Taís Araújo. Ela narra os acontecimentos do ponto de vista da mulher de um dos ladrões, o Peralta, papel de Paulo Tiefenthaler – de fato, é ele o centro das atenções, dando ritmo ao filme.
Tiefenthaler, cujo potencial cômico já era conhecido no programa Larica total, do Canal Brasil, faz o tipo do malandro mequetrefe.
CARTOLA
Peralta – sobrenome de um dos acusados do crime na vida real – era aspirante a cartola e vivia circulando pela sede da CBF, o que facilitou o plano do furto. A comédia se inspira nos episódios posteriores ao roubo. A maioria deles veio da versão oficial sobre o crime.
As tentativas atrapalhadas de vender a taça, inclusive para gente que lamentava profundamente o roubo do objeto de orgulho nacional, como o ourives interpretado pelo funkeiro Mr Catra, a investigação travada pelo detetive Cortez (Milhem Cortaz), a imbecilidade do presidente da CBF (Stepan Nercessian) e o despreparo dos ladrões para lidar com a situação são as grandes piadas.
O filme funciona como crítica bem-humorada à ingenuidade nacional, tanto por ter a Taça Jules Rimet como objeto de tamanho orgulho, a ponto de mobilizar as Forças Armadas para encontrá-la, quanto por não conseguir protegê-la nem sequer de ladrões amadores.
Em seu segundo filme de ficção – também dirigiu o documentário Motoboys vida louca, premiado na Mostra de São Paulo, em 2003 –, Caíto Ortiz consegue contar uma história engraçada e já conhecida, evitando alguns lugares-comuns da comédia brasileira contemporânea, mas sem escapar totalmente de alguns deles, como closes desnecessários na personagem feminina e algumas piadas repetitivas. Nada que o impedisse de conquistar, em março, o público no festival South by Southwest, no Texas (EUA), onde conquistou o prêmio de melhor filme pelo júri popular.
GRAMADO
Sem exagerar na produção, que contou com a parceria da Netflix, o filme é simples, discreto, objetivo e apresenta uma caracterização benfeita dos anos 1980. No Festival de Gramado, encerrado no último fim de semana, o longa levou os prêmios de melhor fotografia e direção de arte. A atuação de Paulo Tiefenthaler lhe rendeu o Kikito de melhor ator.
No festival gaúcho, o filme também teve o roteiro premiado, assinado por Lusa Silvestre (Estômago). Garantiu quatro troféus para a história da taça roubada, que tentará conquistar o público partir de hoje.
Na segunda-feira, a comédia de Caíto Ortiz foi incluída na lista das 16 produções que disputarão a chance de representar o Brasil na briga por uma vaga no Oscar de filme estrangeiro em 2017..