No mais recente capítulo do imbróglio, o produtor mineiro Guilherme Fiúza anunciou a decisão de deixar a Comissão Especial de Seleção, formada pelo Ministério da Cultura (MinC) para definir o filme brasileiro que tentará disputar o Oscar 2017. Fiúza alegou “questões pessoais” para se retirar do grupo (de nove especialistas).
Procurado pelo Estado de Minas, afirmou que não daria declarações sobre sua decisão. “O importante é o cinema”, disse. O MinC informou que na segunda-feira será publicado no Diário Oficial o nome do substituto de Fiúza.
A decisão do produtor ocorreu pouco depois de dois cineastas anunciarem que, em solidariedade a Aquarius, retirariam seus longas da disputa pela indicação brasileira ao Oscar – o prazo de inscrições vai até quarta-feira (31). São eles Gabriel Mascaro, diretor de Boi neon, e Anna Muylaert, de Mãe só há uma.
“É lamentável que o Ministério da Cultura, por meio da Secretaria do Audiovisual, endosse na comissão de seleção um membro que se comportou de forma irresponsável e pouco profissional ao fazer declarações, sem apresentação de provas, contra a equipe do filme Aquarius, após o seu protesto no tapete vermelho de Cannes”, afirma comunicado na página oficial de Boi neon.
A referência é à indicação do crítico paulista Marcos Petrucelli para a comissão julgadora convidada pelo MinC. O jornalista criticou o protesto ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff conduzido no tapete vermelho por Mendonça Filho e sua equipe. Desde então, vem emitindo comentários negativos contra o diretor de Aquarius.
Anna Muylaert, diretora de Que horas ela volta? – que, em 2015, foi escolhido pelo país para tentar uma vaga no Oscar –, afirmou que “Aquarius merece mais a indicação”, ao justificar sua decisão de não incluir Mãe só há uma no páreo.
Integrante da comissão, a atriz Ingra Liberato disse que refletiu sobre a participação mas vai sustentar o que aceitou.
"Qualquer busca no Google vai revelar minhas posições políticas, mas isso está completamente fora desse trabalho. Vamos escolher o filme inscrito que nos representa como cultura e que mais tem chance de ser indicado.
Segundo o EM apurou, até agora há pelo menos cinco produções inscritas: além de Aquarius, Nise – O coração da loucura (Roberto Berliner), Tudo que aprendemos juntos (Sérgio Machado), Mais forte que o mundo – A história de José Aldo (Afonso Poyart) e Pequeno segredo (David Schurman). Berliner afirmou que manterá a inscrição até segunda ordem. “O que acho que deveria acontecer é a classe se unir para retirar esse cara (Petrucelli) da comissão. Agora, acho injusto com os filmes tirá-los da competição por causa de um membro da comissão”, diz o diretor.
Em meio a todas as polêmicas, Aquarius continua sua carreira. Na noite desta sexta (26), o filme protagonizado por Sônia Braga abre, fora de competição, o Festival de Gramado, no Rio Grande do Sul. No dia 01 de setembro, estreia em circuito comercial. Serão, no mínimo, 70 salas – um circuito pequeno, mas 5,3 vezes maior que o do filme anterior de Mendonça Filho, O som ao redor (2012), que atraiu 100 mil espectadores, apesar de exibido em restritas 13 salas.
O som ao redor, longa de estreia de Mendonça Filho, foi aclamado pela crítica brasileira e estrangeira e inscreveu o nome do pernambucano na lista dos cineastas a não se perderem de vista.
TRÊS PERGUNTAS PARA
KLEBER MENDONÇA FILHO, cineasta
Que retrato o apoio dos cineastas Gabriel Mascaro e Anna Muylaert mostra a respeito da classe artística brasileira?
Este governo interino não parece ter muita familiaridade com a área de cultura, que é muito forte e unida. Num momento como este, em que coisas muito sérias são questionadas – coisas que envolveram processos oficiais que parecem não fazer muito sentido –, a discussão sobre censura e perseguição política para um filme brasileiro, o ato do Gabriel e da Anna, de bater de frente com isso, é fantástico, incrível, combina com o posicionamento de querer testar o sistema. Temos muita sorte de sair com o filme nessa semana.
Quando houve a manifestação em Cannes, você tinha ideia da proporção que o protesto tomaria?
Não. E que fique muito claro: não imaginava essa repercussão, mas que isso não soe como nenhum tipo de arrependimento. Se o filme fosse exibido na semana que vem em Cannes, faria exatamente da mesma forma. O filme estava sendo lançado mundialmente, toda a classe brasileira do audiovisual presente – deveriam ser mais de 100 brasileiros – fez junto conosco aquele ato. Quando saímos do tapete vermelho e entramos na sala (de exibição), todos já estavam prontos para o protesto.
A discussão em torno de Aquarius se tornou mais política do que estética?
A classificação máxima (18 anos) e a tentativa de colocá-lo na mesma categoria de Ninfomaníaca e Love 3D, filmes que fazem uma representação clara do que entendo como sexo explícito, fizeram com que o próprio filme se tornasse um parâmetro.