São apenas 60 minutos de narrativa, sem que qualquer palavra seja pronunciada pelos personagens. Os protagonistas, inclusive, não são apenas pessoas, mas máquinas, navios, plantações. Sujeitos/objetos que transitam entre canaviais, engarrafamentos no trânsito, navios cargueiros, linhas de montagem automobilísticas. Há sempre uma ironia velada no posicionamento de cada “sujeito” em relação à realidade. Brasil S/A tem um nonsense revestido de crítica.
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Experimentar outras possibilidades cinematográficas – principalmente questionar os modelos e formatos vigentes – é uma característica desse cineasta pernambucano. O primeiro longa-metragem dele, Pacific, foi lançado em 2009. O dispositivo do filme era curioso: Pedroso recolheu imagens amadoras de turistas que partiram para um cruzeiro em direção a Fernando de Noronha. Ao juntar imagens captadas com finalidade caseira, o diretor se interessava em conferir novos sentidos àquelas cenas. Transformar o cotidiano em cinema.
Em Brasil S/A, o cineasta, de certa forma, abandona o improviso que fez parte da elaboração de Pacific. As imagens não são apenas grandiosas, mas calculadas. Todo o universo simbólico do longa é construído a partir da ostentação visual, em consonância com a trilha sonora. Se não há uma palavra, é a música original composta por Mateus Alves que pontua emoções e reflexões despertadas pelas cenas. É uma forma particular, dramática e operística de afirmar o quanto o modelo desenvolvimentista adotado para a economia se mostra incapaz de levar em conta as especificidades desta nação.
O filme de Marcelo Pedroso foi exibido na sessão Panorama do Festival de Berlim no ano passado. Curiosamente, o título internacional é Brazilian dream, ou seja, o sonho brasileiro de se desenvolver. Custe o que custar.
OS FRANCESES ESTÃO VOLTANDO
O Festival Varilux tem funcionado para a produção francesa no Brasil como um bom aperitivo. Os filmes são exibidos em poucas sessões durante a mostra e, ao longo do ano, retornam ao circuito comercial. Entre as novidades desta semana está o novo longa do veterano Philippe Le Guay (Pedalando com Molière), A viagem de meu pai. Protagonizada por Jean Rochefort e Sandrine Kiberlain, a produção é um retrato delicado da inevitável inversão de cuidados entre pais e filhos. Claude foi um grande industrial. Aos 80 anos, aposentado e com memória bastante comprometida, ele precisa da ajuda da filha Carole para sobreviver. Envelhecimento e relação familiar sãos os temas centrais desta obra, que, apesar de tratar de assuntos delicados como o Alzheimer, desvia-se do drama clichê. Le Guay evita o caminho da melancolia e acerta na dose de humor.