Não vai na fala de Schechtman nenhum preconceito contra a comédia, mas há algum preconceito de parte da crítica quanto ao que seria o melodrama dentro de Vidas partidas. “Grandes autores da história do cinema recorreram ao formato melodrama, mas no Brasil ainda há preconceito, porque essa é uma linguagem associada às novelas”, observa. O próprio Schechtman vem da televisão – e das novelas. Dirigiu Laços de família, O clone e Salve Jorge. Chegou à TV como consultor de dramaturgia por sua ligação com a literatura.
Schechtman fala de melodrama para deixar claro que não fez um.
A partir daí, o público, em guarda, começa a receber as informações de forma diferente. O sexo, mais que intenso, é violento. O marido é um cara que precisa estar no controle. O filme esboça uma espécie de patologia no personagem de Montagner. Os fatos que vão a julgamento se referem a uma noite de violência, quando a casa, supostamente, é invadida por ladrões, a mulher é atingida por um tiro e fica paralítica. A cena é reconstituída segundo diferentes pontos de vista.
Naura Schneider, além de protagonista, produziu Vidas partidas. O roteiro é assinado por Zé Carvalho. “O approach dele vai na contramão do melodrama, é mais antenado com o cinema de hoje”, explica o cineasta. Uma espécie de subversão, portanto: o melodrama criminal vai desconstruindo pistas para compor um relato duro sobre a violência doméstica e relações abusivas.
CIÚMES “Mais do que o tema em si, o que me motivou foi a forma como ele já vinha tratado no roteiro. O filme pode adotar o que chamaria de defesa da mulher, mas não demoniza o homem. Nos preocupamos muito em elaborar a psicologia desse casal.
Se há uma coisa que, antecipadamente, irrita Schechtman é a possibilidade de seu filme ser descartado como “televisivo”. “Fizemos uma preparação de quase três meses justamente para dominar os elementos desse drama e buscar a melhor maneira de expressá-los na tela. Um elemento muito importante é a iluminação. Mantivemos a luz filtrada dentro da casa, porque a ideia é que, sendo um homem dominador, o marido quer dominar até a luz que entra na casa”. Até que ponto o público vai perceber isso? “A gente não faz as coisas para chamar a atenção, para que todos vejam.
Exemplo disso é o olhar do marido quando a mulher volta do hospital. “Esse cara é um monstro possessivo, mas diante daquele olhar você consegue ver a mulher pensando: ele me ama?. Mais tarde, o marido tem aquele desabafo apaixonado no tribunal. É falso, é ensaiado? A ideia é que pode ser, sim, amor. Um amor doentio. Dar conta dessa complexidade foi o que quisemos. Agora é com vocês (os críticos e o público), conclui. (Luiz Carlos Merten/Estadão Conteúdo)
VIDAS PARTIDAS
Direção: Marcos Schechtman.
Com Naura Schneider, Domingos Montagner e José de Abreu. Em cartaz nos cinemas Contagem 7 (às 14h20, 16h30, 18h40 e 20h50) e Paragem 5 (às 14h20, 16h30, 18h40 e às 20h50)..