Sua reação ao cumprimento do garçom era Babenco em estado puro: permanentemente desafiador, do tipo ‘honesto demais para ser polido’, mas também inteligente, arguto e inventivo, dono do hábito de procurar ver as coisas (mesmo as mais banais) por um ângulo próprio e original. Eram características tanto do homem quanto do cineasta e de sua obra.
Nascido na Argentina, Babenco naturalizou-se brasileiro em 1977, antes de lançar Lúcio Flávio, o passageiro da agonia. Como tratava nesse filme – com vigor impressionante, diga-se – das mazelas do Brasil, não queria falar delas sob a distante perspectiva de um estrangeiro, mas sim com a voz de um cidadão deste país que não fica neutro face às suas grandes questões.
O longa seguinte do diretor, Pixote – A lei do mais fraco, é o ponto alto de uma filmografia de qualidade constante e livre de fiascos. É certo que há acertos maiores e menores.
Hábil para defender seus pontos de vista e jogar o jogo da indústria, ele se envolveu em não poucas polêmicas extrafilme ao longo da carreira. Quando quis realizar Carandiru e encontrou dificuldade para reunir o que foi o maior orçamento do cinema brasileiro até então, acusou empresas públicas e privadas de boicote à história do massacre policial.
Mas se Carandiru, o filme, é baseado no livro de Drauzio Varella, médico e amigo de Babenco, sobre o extermínio ocorrido em 1992 na Casa de Detenção de São Paulo, o aspecto que interessava ao cineasta não era propriamente reproduzir a chacina, mas sim explorar uma observação que Drauzio faz no início de seu livro – encarcerados, os homens precisam construir regras próprias de convivência e resolução de conflitos que não sejam pela violência, já que todos dormem e, portanto, tornam-se vulneráveis a cada noite.
Mais uma vez, Babenco exercia seu melhor predicado – assumir sem rodeios um ponto de vista, qualquer que fosse o tema em debate. De formação literária abrangente e gosto por um cinema clássico, definia seu estilo como o de alguém que beira o melodrama, mas não cede a ele. Ao abordar a própria doença em Meu amigo hindu, fez seu filme-testamento com a mesma disposição de dar aos acontecimentos cotidianos um sentido maior. Ou seja, transformá-los em arte..