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Análise: Hector Babenco, um homem sem meio-termo

Nascido na Argentina e naturalizado brasileiro, cineasta, que morreu na quarta, aos 70 anos, em SP, era dono de uma obra e de um temperamento singulares

Silvana Arantes
“Boa noite! Tudo bem com vocês?”, perguntou o garçom ao se aproximar da mesa.
“Tudo. Por quê? Se não estivesse tudo bem, você teria um placebo para nos oferecer?”, respondeu Hector Babenco. O cenário dessa cena foi o tradicional café La Biela, em Buenos Aires, onde Babenco preparava a produção de seu longa O passado, baseado no romance homônimo do escritor argentino Alan Pauls, em 2006. Babenco escolhera o La Biela como endereço de uma entrevista conjunta com Pauls dada a esta repórter.


Sua reação ao cumprimento do garçom era Babenco em estado puro: permanentemente desafiador, do tipo ‘honesto demais para ser polido’, mas também inteligente, arguto e inventivo, dono do hábito de procurar ver as coisas (mesmo as mais banais) por um ângulo próprio e original. Eram características tanto do homem quanto do cineasta e de sua obra.

Nascido na Argentina, Babenco naturalizou-se brasileiro em 1977, antes de lançar Lúcio Flávio, o passageiro da agonia. Como tratava nesse filme – com vigor impressionante, diga-se – das mazelas do Brasil, não queria falar delas sob a distante perspectiva de um estrangeiro, mas sim com a voz de um cidadão deste país que não fica neutro face às suas grandes questões.

O longa seguinte do diretor, Pixote – A lei do mais fraco, é o ponto alto de uma filmografia de qualidade constante e livre de fiascos. É certo que há acertos maiores e menores.

O próprio cineasta sempre quis refilmar Coração iluminado, apenas para refazer a cena final, que considerava um equívoco. Para realizar Pixote à sua maneira, Babenco brigou por todo e cada um dos elementos do filme, incluindo a escalação do garoto Fernando Ramos da Silva, à qual a preparadora de elenco Fátima Toledo de início se opôs. O diretor venceu a resistência de Fátima ao fato de Fernando não ser um ator profissional e mal saber ler ou se expressar com o argumento de que ela jamais encontraria aquele olhar num menino forjado em outra escola que não a da vida nas ruas.

Hábil para defender seus pontos de vista e jogar o jogo da indústria, ele se envolveu em não poucas polêmicas extrafilme ao longo da carreira. Quando quis realizar Carandiru e encontrou dificuldade para reunir o que foi o maior orçamento do cinema brasileiro até então, acusou empresas públicas e privadas de boicote à história do massacre policial.

Mas se Carandiru, o filme, é baseado no livro de Drauzio Varella, médico e amigo de Babenco, sobre o extermínio ocorrido em 1992 na Casa de Detenção de São Paulo, o aspecto que interessava ao cineasta não era propriamente reproduzir a chacina, mas sim explorar uma observação que Drauzio faz no início de seu livro – encarcerados, os homens precisam construir regras próprias de convivência e resolução de conflitos que não sejam pela violência, já que todos dormem e, portanto, tornam-se vulneráveis a cada noite.

Mais uma vez, Babenco exercia seu melhor predicado – assumir sem rodeios um ponto de vista, qualquer que fosse o tema em debate. De formação literária abrangente e gosto por um cinema clássico, definia seu estilo como o de alguém que beira o melodrama, mas não cede a ele. Ao abordar a própria doença em Meu amigo hindu, fez seu filme-testamento com a mesma disposição de dar aos acontecimentos cotidianos um sentido maior. Ou seja, transformá-los em arte.

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