São Paulo – O vídeo de maior audiência do Porta dos Fundos em 2016 é, até agora, Xuxa Meneghel. Lançado em 7 de maio, a esquete em que a ex-rainha dos baixinhos ri de si mesma ultrapassou a marca de 9,5 milhões de visualizações. Quando é pouco visto, um vídeo do maior canal brasileiro de humor da internet – que lança um produto do gênero a cada dois dias – esbarra em 1,5 milhão, 2 milhões de visualizações.
Porchat convida público mineiro; veja vídeo
É um consumo voraz, como também rápido. Em média, cada vídeo tem dois minutos e meio. Essa produção abriu caminho para a televisão (com a realização de séries para a Fox). Os integrantes do coletivo, em separado, têm trabalhos para TV, rádio, cinema, teatro e literatura. A despeito dessa franca atividade, um longa-metragem do Porta dos Fundos é o projeto mais ambicioso do grupo até então. Do orçamento de R$ 5,6 milhões, a maior parte (ainda que os valores exatos não tenham sido revelados) veio de recursos do próprio canal de humor.
saiba mais
Fábio Porchat convida mineiros para assistir ao filme 'Contrato vitalício', que estreia nesta quinta-feira
Católicos processam Porta dos Fundos por vídeo sobre os Dez Mandamentos
Porta dos Fundos é o canal do YouTube mais influente do mundo em 2016
Oscar 2017 será em 26 de fevereiro, anuncia Academia de Hollywood
“Eu, particularmente, acredito zero em migração de plataforma. Para mim é simples assim: quem vê YouTube gosta de ver YouTube, quem gosta de cinema vai ao cinema. Não acredito em levar o pessoal do YouTube para o cinema. Acredito numa galera que gosta dos dois. As pessoas adoram números: você tem 12 milhões (de assinantes no canal do YouTube), então vai levar 12 milhões ao cinema. Isto não acontece nunca. Já levamos famoso da TV e da internet para nossos vídeos e não conseguimos nenhum view a mais por isto. O da Xuxa foi o único que mudou esse parâmetro”, comenta Ian SBF, diretor de Contrato vitalício e um dos sócio-fundadores do Porta dos Fundos.
Ainda tateando num terreno novo, o longa-metragem não se furta a retratar um universo muito conhecido de seus integrantes: o mundo das celebridades que trafegam na internet. Tanto que não faltaram youtubers, instagramers e toda a sorte de “famosos” das redes sociais no lançamento para a imprensa do longa-metragem.
Essa geração, por sinal, vai ter que, a exemplo de Xuxa, rir de si mesma para gostar do filme. Contrato vitalício começa quando dois amigos, o diretor Miguel (Duvivier) e o ator Rodrigo (Porchat), são premiados no Festival de Cannes. Ao acordar de ressaca após a celebração, Rodrigo descobre que Miguel sumiu. Só vai reencontrá-lo uma década mais tarde, no mesmo banheiro do hotel em Cannes onde o tinha visto pela última vez.
CELEBRIDADES
Com jeito de alucinado, Miguel conta que foi abduzido por ETs e levado para o centro da Terra, onde presenciou uma rebelião de escravos. Decide contar sua história em um novo filme. Rodrigo, agora um astro, se vê obrigado a participar da empreitada, pois havia assinado um contrato em que prometia participar de todos os projetos do amigo. É basicamente um filme sobre a produção de outro.
No entorno desses dois personagens é que está a graça. E ela se faz mais presente na primeira parte do longa, com um desfile dos estereótipos que cercam o mundo das celebridades. O empresário que não larga o celular (Luís Lobianco), o repórter sem noção de revista de fofoca (Marcos Veras), a preparadora de elenco durona (Júlia Rabello), a famosa da internet que passa a vida postando vídeos de estética (Thati Lopes). Não é difícil reconhecer algumas das fontes de inspiração. “Estamos jogando um holofote em cima do mundo do entretenimento. Mas estamos, todos nós, incluídos no rol da zoação”, afirma Porchat.
Dificilmente se vê, num filme nacional, tantas referências explícitas a personagens reais. Anitta, Malvino Salvador e até Alexandre Frota são citados, assim como Wolf e Dennis (referência aos diretores globais Wolf Maya e Dennis Carvalho), principais interlocutores do personagem de Lobianco ao celular. Este, em determinado momento, aparece inclusive cuidando de três crianças, que seriam filhos de Angélica e Luciano Huck. Marília Gabriela, Naldo Benny e Sérgio Mallandro ainda surgem na história interpretando a si próprios.
Esse tipo de graça – de esquete, rápida e com boas sacadas – o Porta dos Fundos faz com maestria. A questão é que Contrato vitalício é um longa e tal formato demanda uma história com começo, meio e fim. O riso fácil da primeira metade do filme vai esmorecendo quando a narrativa – através da filmagem do alucinado projeto do personagem de Duvivier – tenta questionar o mundo ilusório em que todos os envolvidos estão aprisionados. As piadas perdem o tom, e o filme acabam dando voltas em si mesmo.
*A repórter viajou a convite da produção do filme
Expectativa em alta
Comemorando 10 anos à frente da Downtown Filmes, maior distribuidora de filmes brasileiros, Bruno Wainer dá de ombros para o fenômeno Dory. “A cada ano, lançamos um filme em julho para ir contra a programação dos blockbusters americanos: Cilada.com, E aí, comeu?, Minha mãe é uma peça. Contrato vitalício é a única comédia nestas férias. E não estamos disputando com Dory, esperando encontrar nosso espaço, já que nem todo mundo quer ver um filme familiar bem comportado.” A respeito de Contrato vitalício, o distribuidor vai com calma. “Estamos abrindo um campo, este é o primeiro filme dessa geração de youtubers. Esperamos vender acima de um milhão de ingressos.”
Três perguntas para...
Fábio Porchat
ATOR
Contrato vitalício, embora toque em várias questões, é um filme sobre a indústria da celebridade. Por que escolheram este tema?
É o mundo onde vivemos. Conhecemos, infelizmente, pessoas parecidas com os personagens. Temos o ator famoso, o diretor, o empresário, a vlogueira, o assessor de imprensa, o repórter de fofoca, cada um está representando um mundo diferente dentro do mundo do entretenimento. E é uma coisa que o brasileiro gosta tanto. As pessoas comentam no Twitter o que veem na TV e que é replicado no jornal. É uma coisa interativa, está tudo conectado.
No filme há momentos em que vocês apelam para a escatologia. Há um limite sobre o tipo de humor que vão explorar?
A gente fala de tudo no Porta dos Fundos. Humor físico, de palavrão, de situação, crítico. A gente tem o pensamento de fazer graça. E existem vários tipos de graça: torta na cara é engraçado, assim como Chaplin, O gordo e o magro, Os normais, Escolinha dos professor Raimundo. Tentamos transitar em vários lugares. Mas filmamos o oitavo tratamento do roteiro. Desde o primeiro mudamos muito. Tinha coisa que estava demais, outras de menos. O Luis Lobianco, que faz o empresário, citava três vezes mais celebridade do que entrou no filme. Tiramos muita coisa até chegar ao limite.
O que o politicamente correto pode influenciar na hora de fazer humor?
Na criação, na minha cabeça, não tem nenhum limite. Nem pode haver freio. Mas, para tirar do papel e fazer, temos que olhar, ler e pensar. O mundo está mudando e para melhor. As pessoas estão lutando contra a homofobia, transfobia, machismo, racismo porque são coisas graves, que matam pessoas. Então, que isso mude. Aí alguém vem me dizer: “Mas antigamente que era bom”. Era bom para você, que é branco. Porque se fosse gay, mulher, nordestino, negro, o mundo era uma merda. Só que ainda temos resquícios de questões antigas. Claro que o humor tem que ser livre, brincar com todo mundo. Mas mudaram as relações e o humor tem que saber acompanhar. Somos uma sociedade em transição. Não sabemos algumas coisas: é a travesti, o travesti, mas sempre falou-se traveco? Então, se as travestis não gostam de serem chamadas travecos, não vamos falar uma coisa que as ofenda. Mas continuaremos a brincar com elas.