A maior dificuldade em lidar com produtos que coexistem em mídias diferentes é entender os limites de cada uma.
No universo especializado dos games, especula-se que Warcraft inaugure uma revolução no cinema. Assasins creed, com elenco de peso (Justin Kurzel, Michael Fassbender e Marion Cotillard) previsto para o segundo semestre, é outra adaptação que passará pela mesma prova de fogo. Será que ficarão no passado as experiências malsucedidas de adaptação de jogos, como Tomb raider (2001) e Resident evil (2002)?
Warcraft é o segundo longa consecutivo baseado em jogo que chega ao cinema no intervalo de um mês. Mas entre ele e a animação Angry birds (2016), por exemplo, há uma diferença gritante. O segundo nasceu em 2009 como um aplicativo de celular. Daqueles viciantes, feito para passar o tempo. O primeiro existe desde 1994 e conta com uma comunidade de mais de 100 milhões de jogadores no mundo todo.
Os fãs de Warcraft têm relacionamentos de anos com os mesmos personagens, com os acontecimentos das vidas deles e todas as tramas paralelas das duas facções. De um lado, está a Aliança, com anões, gnomos, elfos noturnos, draenei e worgens. Do outro, a horda, com orcs, trolls, elfos sangrentos e os traiçoeiros goblins. E não é só a molecada que gasta horas evoluindo suas hordas – artistas como Vin Diesel, Henry Cavil e Mila Kunis são fãs confessos.
“A produtora do jogo sempre lançava pequenos vídeos para divulgação do jogo que eram simplesmente incríveis. Despertava na comunidade a vontade de ter um filme”, conta o estudante Eduardo Morais. Desde o anúncio da primeira produção para o cinema e a estreia se passaram 10 anos.
As primeiras críticas em blogs especializados não foram positivas. O pesquisador Thiago Batista, de 27 anos, observa que o principal problema foi uma comparação exacerbada a outros exemplares do gênero fantasia medieval, tipo O senhor dos anéis (2001-2003), O hobbit (2012-2014). “A aclimatação é diferente, por mais que usem arquétipos comuns na fantasia, como orcs, elfos e magia”, ressalta.
Diferentemente das tramas escritas por J. R. R. Tolkien cujas estéticas são bem mais sombrias, Warcraft se alinha mais com o universo dos quadrinhos épicos. A transposição para a tela é um rompimento com essa estética.
Para ele, além dos inevitáveis paralelos com outras produções, ponto que também dificulta a carreira do filme é a ideia de que foi feito para agradar a comunidade de jogadores. “As adaptações de jogos para o cinema nunca foram boas nem em critica e nem em bilheteria e, por esse medo, acho que o filme deve ser o mais fiel possível.”
Warcraft – O primeiro encontro de dois mundos foi dirigido por Duncan Jones, filho de David Bowie e mais um fã confesso do jogo. O roteiro é baseado na primeira versão do game, Orcs & Humans. A trama se passa na região de Azeroth. A paz que reinava no lugar é abalada com a abertura de um portal que fez com que os guerreiros Orc voltassem à zona dos humanos para conquistar território.
Assim como todo filme do gênero, há espaço dilatado para batalhas, para magia e até para um romance, um tanto quanto forçado. É desafio conseguir equilíbrio na tarefa de apresentar um universo gigantesco que vai além da tela, em duas horas. Como é o primeiro filme era preciso falar sobre a origem do conflito, apresentar os personagens.
Juliana Tavares saiu da sessão encantada. “Com ação, cenas bem-humoradas e bem emotivas também. Transporta o espectador ao mundo de Azeroth por ter um enredo envolvente”, opina. “Indico, até mesmo para quem não conhece o jogo, pois o contexto que gera o ápice do filme é bastante explicativo”.
Thiago Tavares elogia a fidelidade do filme à história do game, embora muitas referências fiquem sem explicação na telona.
Na avaliação de Tavares, Duncan Jones consegue apresentar bem os personagens, cria trama paralelas justificáveis. “Por mais lúdico que seja, não cai na ingenuidade de uma dicotomia entre bem e mal, em que os orcs não são os antagonistas, ele têm outras motivações, que é algo marcante na serie, não existe bem ou mal, mas pontos de vistas e necessidades diferentes.”
Márcio Ferreira também aprovou a adaptação, em especial o detalhamento dos personagens. “Todos que têm algum tempinho na tela recebem um nome, e se possível, a sua função ou uma relação de parentesco para nortear o espectador.” O jogador expert em Warcraft gostou de ver na telona os cenários do filme. Ele curtiu, em especial, o embate entre Khadgar (Ben Schnetzer) e Medivh (Ben Foster). “Essas pequenas coisas são realmente presentes para os fãs.”
Incentivo - Também conhecido como WoW, o World of Warcraft é um jogo on-line, do tipo RPG massivo, ou seja, para muita gente. Cada usuário assume o papel de um herói e participa de partidas em tempo real. Não há limite para o número de jogadores, mas não é possível mudar de papel. “Acho divertido a interação com diferentes pessoas, essa competitividade entre facções e, principalmente, pela jogabilidade em imaginar que você é aquele personagem”, comenta a universitária Juliana Tavares.
“Em vários jogos, a comunidade gamer é completamente tóxica. Mas no World of Warcraft não é assim. O jogo te incentiva sempre a se unir aos outros jogadores para realizar tarefas mais complicadas. E é justamente da cooperação que vêm as conquistas”, explica Márcio Ferreira. Thiago Tavares valoriza o senso de comunidade. “Juntar 15 pessoas, cinco vezes por semana para fazer um objetivo em comum é muito legal. Quase nenhum jogo atualmente faz isso e, por mais que antes fossem 40 pessoas, hoje ainda é divertido.”
No cinema, nem adianta querer. Não rola de mudar absolutamente nada nos rumos da trama. O máximo que se pode fazer é reclamar. E reconhecer: no aspecto técnico, em 3D, o longa surpreende. A técnica também evoluiu. Os seres de Warcraft foram feitos a partir de tecnologia aprimorada de Avatar (2007). Assim como James Cameron fez, os atores de Warcraft integram a realidade virtual –Travis Fimmel, Paula Patton, Ben Foster..