'Jogo do dinheiro', com Julia Roberts e George Clooney, critica a TV e seus padrões éticos

Filme dirigido por Jodie Foster estreia hoje nos cinemas

por Mariana Peixoto 26/05/2016 08:00
 SONY PICTURES/DIVULGAÇÃO
George Clooney interpreta Lee Gates, apresentador de um programa de dicas de economia na TV (foto: SONY PICTURES/DIVULGAÇÃO)
Hollywood tem sido generosa com o jornalismo, mesmo nestes tempos tão bicudos da profissão. Já nos primeiros meses deste 2016, assistimos a dois filmaços inspirados em histórias reais: o oscarizado Spotlight – Segredos revelados, sobre o escândalo de pedofilia na Igreja Católica denunciado pelo Boston Globe em 2002, e Conspiração e poder, a respeito da malfadada reportagem do programa 60 minutes, que, em 2004, tentou desmascarar a vida militar do então presidente George W. Bush – e acabou custando a carreira de Dan Rather, um dos mais relevantes âncoras da TV americana.

É a televisão também o foco de Jogo do dinheiro, que estreia hoje. No entanto, esqueça qualquer relação com algum caso real ou o jornalismo de fato. Em seu primeiro thriller, Jodie Foster faz pura ficção. Mesmo assim, se dispõe a fazer uma crítica ao espalhafato midiático da TV, misturando com os meandros por vezes tão nebulosos do mercado financeiro.

Popozudas
Para contar esta história, dois dos maiores chamarizes de público da Hollywood atual: George Clooney e Julia Roberts. Ele é Lee Gates, âncora de Money monster (título original do filme), um programa diário ao vivo que se dispõe a apresentar, para o telespectador comum, dicas do mundo do dinheiro. De uma maneira nada ortodoxa, diga-se de passagem. Para chamar a atenção de sua plateia, Gates se dispõe a fazer de tudo. Rap com dançarinas popozudas, vestimentas que o colocam como um Chacrinha do mercado financeiro, vinhetas cheias de duplo sentido e por aí vai.

No comando de tudo está sua produtora-diretora Patty Fenn (Julia Roberts), que, de dentro da sala de controle (e com o ponto eletrônico que nunca deixa o ouvido de Gates), faz o show realmente acontecer. No meio da transmissão de um programa, o estúdio é invadido por Kyle Budwell (Jack O’Connell), motorista de caminhão que perdeu todas as economias por conta de uma dica errada de Gates.

Durante semanas, ele havia recomendado o investimento na Ibis Clear Capital. Só que, de uma hora para outra, a empresa comandada por Walt Camby (Dominic West) perdeu US$ 800 milhões. Budwell, que havia investido tudo (US$ 60 mil) em ações da empresa, num ato de desespero invade o programa. Armado, coloca um colete-bomba em Gates que estava ao vivo, exigindo uma explicação plausível sobre o ocorrido. Também quer falar com Camby, que, nesta altura dos acontecimentos, está incomunicável. E ainda exige que o programa permaneça no ar. Experiente, Patty comanda o ''show'', fazendo com que o ocorrido alcance índices inimagináveis de audiência e mobilize toda a cidade de Nova York.

Logo no início da narrativa, Patty comenta que há tempos não se faz jornalismo naquele programa. Olhando sob este viés, Jogo do dinheiro não se relaciona com seus pares lançados neste ano e que têm como base o jornalismo tradicional. Por outro lado, o filme firma sua crítica na mudança de valores que existe hoje em torno da informação. O fato em si é secundário, o que interessa é o formato em que ele é apresentado.

Desta maneira, o filme acaba se relacionando com outra produção que explora os limites éticos da profissão. Comemorando 40 anos neste 2016, o também orcarizado Rede de intrigas, de Sidney Lumet, é quase um espelho de Jogo do dinheiro. Na história de 1976, um apresentador de TV é demitido por causa dos baixos níveis de audiência de seu programa. Anuncia que vai se matar no ar. O público pede sua volta e a rede, vendo os índices de audiência subirem, resolve bancar a empreitada.

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Julia Roberts é Patty Fenn, a produtora-diretora que faz qualquer coisa pela audiência (foto: SONY PICTURES/DIVULGAÇÃO)


Clássico

Não deixa de ser curioso que 1976 tenha sido um ano crucial para a produção cinematográfica inspirada em fatos jornalísticos. É também dessa safra o clássico dos clássicos dos filmes sobre jornalismo. Dirigido por Alan J. Pakula, Todos os homens do presidente (outro que levou quatro Oscars), que relata o passo a passo da investigação protagonizada pelos repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward, do Washington Post, e que resultou no caso Watergate e à consequente renúncia do presidente Richard Nixon. O filme é a maior referência para Spotlight.

A questão de Jogo do dinheiro é que a discussão sobre ética – mais precisamente a falta dela – na mídia é levantada apenas na primeira parte da narrativa. Como thriller, o filme tem um início bombástico, capaz de não fazer ninguém se mexer da cadeira. Só que a relação que Gates estabelece com Budwell leva o filme para outro caminho.

Tem o lado sentimentaloide, um tanto contrastante com o cinismo da situação e dos personagens (Gates ter uma crise ética é um tanto forçado) e um final carregado de situações inverossímeis. Mas é Hollywood e o ar farsesco de toda a situação permite tais intervenções. De quebra, temos o reencontro de George Clooney com tudo o que lhe é mais caro (o carisma acima de qualquer coisa, até da canastrice do personagem) e Julia Roberts (num papel que não lhe exige tanto, mas que lhe cai muito bem) 12 anos após atuarem pela última vez juntos no impagável Doze homens e um outro segredo.

FORA DAS TELAS
Jogo do dinheiro ainda encontra outro paralelo com a vida real: as eleições presidenciais norte-americanas. O democrata George Clooney, apoiador da candidatura de Hillary Clinton, não poupou críticas a Donald Trump, principal candidato republicano à Presidência. ''Nós nos acostumamos a ter um idiota qualquer dizendo na televisão onde investir, fazendo pessoas perderem dinheiro na vida real'', disse no início deste mês, no Festival de Cannes, onde o filme teve première. ''Jogo do dinheiro reflete a que ponto chegamos. Os noticiários deixaram de ser feitos para informar, sem pensar em ganhar dinheiro, para se tornar parte da programação de entretenimento e, assim, faturar'', criticou o ator.


Um filme, várias fontes
Jogo do dinheiro tem um pouco de:

'A grande aposta' (2015)

<< Também trata, utilizando recursos farsescos, do mercado financeiro como o recente filme que esmiúça o início da bolha imobiliária que se transformou na pior crise do setor na história americana.

'Rede de intrigas' (1976)

<< Sua narrativa encontra pontos em comum com a produção de Sidney Lumet, sobre um apresentador de TV que anuncia seu suicídio no ar. Os dois filmes mostram a ausência de ética em busca da audiência.

'A montanha dos sete abutres' (1951)

<< O debate ético da profissão teve início com o filme de Billy Wilder, hoje um clássico. Um repórter decadente vê sua redenção na profissão quando amplifica um drama (o desmoronamento de uma caverna aprisiona um homem) para que consiga prender um maior número de leitores.

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