Você já interpretou personagens reais, como dona Lindu, mãe do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Lula: filho do Brasil (2010), e Lota Macedo Soares, em Flores raras (2013). Como Nise da Silveira se encaixa nessa sequência?
Por algum motivo, essas heroínas, essas mulheres icônicas me encontraram mais do que eu as encontrei. Acabei sendo surpreendida por elas. Mas a Nise é um pouco diferente.
De que maneira você se identifica com essas personagens? Há uma verve feminista nelas?
De alguma forma, cada uma em seu ambiente, elas revolucionaram. Eu me identifico pela inspiração que elas, com suas histórias, me trazem. Sendo pequena ou grande essa revolução, esse ímpeto, esse saber ancestral não é uma coisa estudada ou preparada. É intuitiva, que faz com que elas saibam que esse é o caminho a ser seguido. Até porque, ser feminista não quer dizer que você não possa ter uma vida familiar ou estar no seu papel tradicional de esposa e mãe. Isso não desmerece nenhum lado do feminismo. O feminismo é mais do que um padrão a seguir, independentemente de que papéis você vai ter na vida íntima e pessoal. Essa liberdade é importante.
Como você definiria a importância de Nise da Silveira para além das conquistas no tratamento psiquiátrico?
Acho que tem a ver com a maneira como ela encarou as adversidades e com essa disponibilidade do olhar para com o outro. Algo que certamente foi reforçado pela experiência da prisão, onde ela conviveu com a tortura, embora não exista registro de que ela tenha sido torturada. Ela estava numa cela e cuidou de todas as pessoas. Uma experiência que talvez não tenha vivido na própria pele, mas que identificou com os tratamentos psiquiátricos mais modernos da época: eletrochoque, choque insulínico e lobotomia.
Você fala com desenvoltura sobre a Nise. De que maneira se preparou para fazer a personagem?
A preparação mesmo, a parte mais intensa, foi tomando contato com o pensamento dela. Isso se deu pelos livros, pelo filme do Leon Hirszman, Imagens do inconsciente (1986), e pelo curta de animação Estrela de oito pontas, de Marcos Magalhães e Fernando Diniz. Também fiz uma dieta para ficar bem magrinha, mas não consegui (risos). E tentei fazer sotaque, mas o Roberto (Berliner) desistiu. A Nise tinha uma maneira de falar e de colocar as coisas que, mesmo sem o sotaque, eu tentei manter. Mesmo quando ela falava uma coisa disparatada tinha um modo peculiar.
O episódio do Oscar, quando você foi muito criticada por sua participação na transmissão da Globo, produziu algum efeito colateral?
Hoje, existe esta necessidade de pertencimento. Então, uma coisa que alguém fala no Twitter, no Facebook ou em outras redes sociais ganha uma dimensão enorme, estando certo ou errado, por pessoas que não sabem nem sobre o que se está falando. Quando eu disse que não tinha assistido (a um filme), subentendeu-se que eu não tinha visto nada. E não é verdade. E nem eu estava ali como comentarista do Oscar. Fui convidada como atriz para dar opinião sobre o que eu quisesse. Então, quando alguém pergunta se uma música vai ganhar, realmente eu não sei opinar.
Mas você encarou com naturalidade.
Fiquei assustada, porque as pessoas talvez esperassem alguma coisa. Não posso inventar uma história. Não estava ali para ocupar o lugar do José Wilker. Não seria louca de fazer isso e não fui convidada para isso. E se tivesse, não teria aceitado. Então: prêmio de som? Eu não sei discernir. Mas sei falar do trabalho dos atores, do roteiro, do figurino. Acabou sendo ótimo, porque virou um case na internet. Uma coisa que podia ser catastrófica e reverteu a meu favor. Porque não estava inventando um personagem, estava ali com pessoas de quem gosto. (Agência Globo).