Um dos lançamentos mais aguardados do ano para os fãs de quadrinhos finalmente chegou e não deve decepcionar. Batman vs Superman: A origem da justiça surpreende quem espera apenas excessos de efeitos especiais, explosões e pancadarias entre a capa preta e a vermelha. Com enredo bem construído em torno dos dilemas ideológicos, que envolvem a ação dos heróis diante da sociedade, e de seus dramas pessoais e emocionais, o filme cria uma boa expectativa para a sequência Liga da Justiça, que chegará aos cinemas nos próximos anos.
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Dramas pessoais
Sem grandes invencionices, temos um Batman justiceiro, produto de um Bruce Wayne (Ben Afleck) eternamente atordoado pelo assassinato dos pais. O playboy milionário de outros filmes também se faz presente, mas como um Morcego mais inescrupuloso, a ponto de torturar inimigos e se tornar alvo de questionamentos da sociedade – o que não é inédito. O Homem de Aço, que tem o repórter Clak Kent (Henry Cavill) como identidade secreta, também não apresenta novidades. Mantém-se como um extraterrestre indestrutível, capaz de salvar o mundo de qualquer ameaça. E traz as mesmas fraquezas: a kryptonita e os laços afetivos – com sua família adotiva do interior do Kansas e com a jornalista Lois Lane (Amy Adams).
A originalidade, pelo menos no cinema, está no embate entre os dois heróis que, teoricamente, deveriam estar do mesmo lado. O conflito, inspirado no quadrinho O cavaleiro das trevas, de Frank Miller (1986), nasce quando a população mundial começa a temer os super-poderes do Homem de Aço, até então usados em defesa da humanidade. O Batman acaba entrando na corrente contrária à do Superman, que, por sua vez, também reprova os métodos violentos utilizados pelo Homem Morcego no combate ao crime em Gothan City. No entanto, por trás da desavença está o grande vilão da história, o jovem Lex Luthor, com seus planos malignos de destruição.
Se as atuações de Ben Afleck e Henry Cavill decepcionam um pouco, diante da grandiosidade de seus personagens, Jesse Eisenberg (A rede social, 2010) surpreende como Luthor. A versão quase adolescente do perverso milionário obcecado em exterminar o Superman pode até desagradar aos fãs mais ortodoxos, mas é bem executada por Eisenberg, que cria um vilão caricato, e até divertido, conferindo mais movimento à trama.
Conforme indicaram os trailers, um terceiro elemento se junta à história. Interpretada por Gal Gadot, a Mulher Maravilha também entra na briga com suas habilidades sobre-humanas. Em tempos em que o protagonismo feminino ganha cada vez mais força em Hollywood, o resgate da heroína mais famosa dos quadrinhos ocorre de maneira bastante oportuna e cria ainda mais expectativa para a sequência da franquia. Ela, inclusive, será protagonista de um longa exclusivo, com estreia prevista para junho de 2017. A Liga da Justiça, que reuinrá os três heróis, acompanhados ainda de Aquaman, The Flash, Shazam e Ciborg, deve chegar às telonas em novembro do ano que vem.
Longa corrige injustiça com escritor de Batman
A chegada de um novo filme com Batman traz também o primeiro registro oficial nas telas com o nome de seu cocriador, esquecido há quase oito décadas: Bill Finger. Por mais de 77 anos, Batman esteve nos quadrinhos, na TV e em diversas encarnações no cinema, mas, em todas essas aparições, o crédito de sua criação sempre foi apenas para Bob Kane, o desenhista, ignorando o papel de Finger, o escritor. Uma das mais longas sagas de direito autoral será concluída quando surgirem os créditos “Batman criado por Bob Kane e Bill Finger” ao final de Batman x Superman.
Juntos, eles criaram um dos personagens mais icônicos do mundo dos quadrinhos e um dos símbolos da cultura pop moderna. Foi no início de 1939, no Bronx, bairro de classe média baixa em Nova York, que Finger, aos 25 anos, e Kane, aos 23, desenvolveram o visual do personagem. Depois, Finger criou sozinho a origem do herói, deu nome à cidade de Gotham City, e escreveu outros 1,5 mil roteiros para edições de Batman pelos 27 anos seguintes. O problema é que Kane vendeu o personagem para a editora DC Comics e fechou um contrato de exclusividade.
Anônimo e esquecido, Finger morreu sozinho, em 1974. Famoso, Kane viveu em mansões em Hollywood, na Califórnia, e ainda viu o renascimento de Batman com os filmes de Tim Burton, com Michael Keaton e Jack Nicholson, antes de falecer, em 1998.
PRÊMIO
A história da falta de crédito a Finger começou ainda nos anos 1960, numa das raras ocasiões em que o introvertido escritor concedeu entrevista informando suas criações. No entanto, por força do contrato fechado – e constantemente renovado – entre Kane e a DC Comics, o crédito nunca chegou. Décadas depois, em 2003, foi criado o Bill Finger Award, o maior prêmio da indústria de quadrinhos voltado aos escritores. Pouco depois, Batman voltou aos cinemas com os blockbusters dirigidos por Christopher Nolan entre 2005 e 2012, e, novamente, apenas Kane foi creditado. Agora, pela primeira vez, a justiça começa a ser feita.
“Já era hora. Ver isso ocorrer é como um sonho, depois de tantos anos”, afirma o historiador de cultura pop Marc Tyler Nobleman, formado pela Universidade Brandeis, de Boston, e autor de Bill, the boy wonder (2012), livro que é resultado de uma pesquisa de seis anos sobre Bill Finger. Em sua investigação, Nobleman descobriu que Finger deixou herdeiros, fato desconhecido até pela DC Comics.
O filho único do escritor, Fred Finger, era homossexual e morreu em 1992, deixando a pequena parcela de royalties devidos ao pai para seu parceiro. Mas Fred teve na juventude uma filha, Athena, que nasceu dois anos depois da morte do avô. A descoberta de Nobleman e seu livro amarrando a história de Bill Finger fizeram retomar um movimento pelas redes sociais. Ao final, uma negociação foi estabelecida entre a DC e Athena, que passou a receber os royalties do pai e, pela primeira vez, o crédito oficial pela criação de Batman passou a ser registrado a partir das edições de outubro do ano passado. Agora, ponto máximo, o crédito chegará ao cinema.
“Com a internet e o fato de que os criadores culturais modernos são, de modo geral, conhecedores de direitos de propriedade intelectual, acho que veremos cada vez menos casos de legados negados na indústria cultural. O próprio fato de histórias como a de Bill Finger ganharem mais evidência também fortalece essa percepção”, diz Nobleman. (João Villaverde, Estadão Conteúdo)