Com uso de máscaras em cena, as crianças parecem ter carta branca para apresentar nova personalidade, depois de, isoladas numa casa de campo, sofrerem bullying materno. Boa noite, mamãe é daqueles filmes de impacto (chegou a ser pré-selecionado para o Oscar), que despertam discussões sobre limites para as crianças — muitas vezes retratadas, sem piedade, nas obras de cinema.
Nascidos no mesmo país do violento cinema de Michael Haneke (A fita branca e Funny games), Lukas e Elias fazem as maiores porcarias infantis: criam besouros agigantados, “velam”, em casa, um gato morto, desafiam limites em sessões de tapas na cara, mas, igualmente, superam expectativas: queimam o rosto da mãe que ainda tem a boca colada por ambos.
Também na linha de construção de personagens com identidades postas à prova, o terror A bruxa se multiplica pelo mundo (a renda já ultrapassou US$ 21 milhões) os US$ 3,5 milhões de investimentos na fita, rodada no Canadá e coproduzida pelo brasileiro Rodrigo Teixeira (de O cheiro do ralo). Um berço vazio, diante do sumiço de um bebê; uma família em frangalhos, que tem entre os integrantes a filha de nome Piedade, e o acúmulo de infortúnios, entre sessões de rezas sobrepostas e lamúrias, são alguns dos elementos da fita de terror em que as crianças são responsabilizadas por desgraças. Quem assina o filme é Robert Eggers, premiado pela melhor direção no Festival de Sundance.
Não é recomendável a exposição de crianças a situações de violência de qualquer ordem. Primeiramente, porque as crianças não conseguem elaborar adequadamente as emoções que sentem ao presenciar situações raras”
Abdon Sardinha, psicólogo
Crítica // A bruxa ****
Em cena do novo filme de Robert Eggers, a mãe (interpretada por Kate Dickie), sem a menor cerimônia, dispara para a filha: “Você fede a maldade”. O ápice da hostilidade entre parentes demarca o beco sem saída para o qual caminha A bruxa, fita independente, ambientada no século 17, e que revela uma família ruindo, em meio à floresta, com direito a natureza revoltosa, crianças gêmeas sinistras e um bode preto batizado de Black Phillip.
Com “maldade” no coração, o menino Caleb (o promissor Harvey Scrimshaw), filho dos sofridos agricultores expulsos de vilarejo, terá as crenças consumidas, à medida que acompanha ritualístico destino dos quatro irmãos — um deles, ainda bebê, roubado por uma figura doentia que macera carne humana.
Com isso, quem cria o climão (que remete ao clássico de Bergman A fonte da donzela) são os atores Ralph Ineson, brilha como o pai desesperado, diante do parco sustento da família, enquanto Anya Taylor-Joy mais do que convence como a vitimizada Thomasin, a filha com carga gigantesca no enredo.
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