A grande aposta, filme que levou o Oscar no último domingo de melhor roteiro adaptado, e que narra a história de investidores que se deram bem com a crise econômica de 2008, estreou no Brasil em 14 de janeiro.
Com um currículo de mais de 500 filmes traduzidos, como O resgate do soldado Ryan, De olhos bem fechados, Beleza americana e A garota dinamarquesa, a tradutora de legendas Rossana Pasquale Fantauzzi se viu diante de um imbróglio. “Pela primeira vez na minha carreira, pensei em desistir, porque achei que não ia dar conta. Além de o prazo ser muito curto – nosso grande desafio –, esse longa tem vocabulário complexo e um contexto que não domino. Mas, no fim, persisti e o resultado, modéstia à parte, ficou muito bom”, ressalta.
Nesse projeto, Rossana teve que contar com a consultoria de um profissional da área de economia e finanças. Ela revela que, em toda obra que trabalha, faz levantamento detalhado sobre o assunto abordado. “É um ofício bem artesanal.
Cláudia Bertolucci também faz trabalhos para a TV. Ao comentar sobre as distinções em traduzir para a telinha e para a telona, explica que a diferença básica é o número de caracteres que se pode usar, pois, em geral, na TV são utilizados menos caracteres por linha, justamente por causa do tamanho da tela. Também é preciso ficar atento à adequação da linguagem.
“Na TV, raramente temos autorização para escrever palavrões. Sempre precisamos suavizar a linguagem. No cinema, de modo geral, temos mais liberdade. E também é comum adequar o vocabulário ao momento histórico retratado.
Cláudia Bertolucci é outra que destaca os avanços tecnológicos. Ela recorda que, antigamente, era preciso buscar a VHS que seria traduzida e, com ela, o roteiro em papel – um calhamaço.
Com a rede mundial, também veio a pirataria. No entanto, a maior parte dos tradutores oficializados não vê isso como ameaça. Sabrina Martinez é tradutora, revisora de legendas e diretora do Gemini Training Center (GTC), com sede no Rio de Janeiro, que capacita profissionais dessa área.
Ela não sentiu diferença com as chamadas “legendas piratas” e conta que distribuidores de cinema e canais de TV acabam procurando quem é credenciado e tem nome no mercado.
“Claro, sempre tem quem confunda profissionais com amadores e ponha todo mundo no mesmo saco. Se há algo que a pirataria fez, foi chamar a atenção para a importância das legendas de qualidade. Muita gente que começa fazendo legendas amadoras acaba se apaixonando e procurando cursos para se qualificar e seguir na profissão”, revela.
INUSITADO Casos curiosos e interessantes não faltam. Sabrina comenta que a situação mais surreal que já vivenciou foi quando os roteiros ainda eram impressos. Ela recebeu um filme sueco para traduzir e o roteiro estava em inglês. A tradução ia bem até que quando virou uma das páginas, percebeu que a tradução em inglês não estava batendo com as imagens no vídeo. “Foi aí que notei: faltavam cinco páginas de roteiro, o que equivalia a uns dois ou três minutos do longa. Minha chefe entrou em contato com a distribuidora pedindo as páginas que faltavam. Só que eles demoraram a mandar e o filme já tinha data de exibição definida. A solução? Tive que inventar aqueles minutos de filme, porque também não conseguimos um tradutor de sueco a tempo. A cena era uma conversa entre pai e filho. O mais curioso foi que, depois da primeira exibição, as páginas que faltavam finalmente chegaram e, quando comparei a tradução ‘de verdade’ com a minha, elas estavam bem parecidas”, diverte-se.
O tradutor José Roberto Valente viveu momento bizarro, quando traduziu documentários sobre criaturas do mar. Um dos episódios se chamava “A lula assassina”. “Fiz a tradução, enviei o arquivo e eles devolveram as legendas revisadas com algumas observações e um pedido: trocar lula por calamares para não ter problemas com o presidente que acabara de ser eleito. Nem preciso dizer que foi meu último trabalho pra eles”, recorda. Outro caso foi quando o chamaram para traduzir South Park: Maior, melhor e sem cortes. “A orientação era não usar gírias nem palavrões. Acredita nisso? South Park sem gírias e palavrões? Fiquei inconformado, tentei argumentar, mas não adiantou. Resolvi encarar aquilo como desafio e traduzi o filme da maneira mais ‘higienizada’ possível. Ficou ridículo, é óbvio. Mas foi exibido assim mesmo. São coisas que fazem parte, né. Fazer o quê?”, conclui.
O UNIVERSO DO TRADUTOR
» Legendas costumam ter duas linhas, mas não podem ultrapassar 32 caracteres por linha, no caso da TV; 36, no caso do cinema; e 42 para DVD e blu-ray. Se a legenda “piscou”, o espectador não conseguir ler. Além de ser bem traduzida, tem que dar tempo para que seja lida.
» O prazo é o maior desafio. O trabalho em um filme, geralmente, leva duas semanas. No caso de festivais, o tradutor vira a noite para entregar as legendas no dia seguinte.
» Quem determina a tradução do título do filme é o departamento de marketing da distribuidora ou produtora, e não o
tradutor de legendas.
» O tradutor de legenda não repassa o texto para os dubladores, porque outra técnica é usada. As palavras têm que ser sincronizadas às batidas de boca dos atores.
» Há apenas 10 anos os profissionais passaram a ter nomes creditados no fim do trabalho, o que valorizou a categoria.