Há praticamente 40 anos, foi a dramaturga Lillian Hellman, um eterno símbolo literário contra o nazismo ou à censura ao lesbianismo, quem colocou retumbante pedra em cima do controverso tema que associou Hollywood ao cerceamento da liberdade de expressão. A autora de peças como Pérfida (1941) foi convocada à cerimônia do Oscar, em que assumiu o “prazer maldoso” em ver sua “respeitabilidade restaurada”. Na ocasião, ela alimentou a cadeia de protestos e de aproveitamento da festa como palanque para posicionamento político.
Lillian Hellman, à época, citou o machado “enferrujado e envenenado” do senador Joseph McCarthy, expoente da perseguição a comunistas, em fins dos anos 1940, para sublinhar a rejeição que sentiu perante os “proprietários da indústria do cinema”. Neste ano, em que o diretor Spike Lee mobiliza, via redes sociais, convidados do 88º Oscar para o boicote à festa — por causa da ausência da representação de negros na premiação —, o convite à reflexão do que significa o Oscar e quais as implicações políticas dele é multiplicado.
No Oscar deste ano, o candidato a melhor ator Bryan Cranston interpreta justo o roteirista Dalton Trumbo, que chegou a ser preso, por “desacato ao Congresso” e, na verdade, muito mais perseguido pelo espírito contestador empregado, como “testemunha hostil”, no curso do Comitê de Atividades Antiamericanas, em 1947. Uma greve convocada para 1945, no meio cinematográfico, precipitou o julgamento e as intimações que se abateram entre os “Dez de Hollywood” (entre eles, Trumbo), profissionais que rastrearam um cheiro de censura que viria a se espalhar nas artes, durante os anos de 1950.
O castigo reservado a Trumbo foi um ostracismo que ele desafiou empregando pseudônimos como o de Robert Rich e de Ian McLellan Hunter, na assinatura de roteiros, na época em que foi banido de entidades trabalhistas. Em 1993, o Oscar reparou erros, estendendo à viúva de Trumbo méritos tardios ao escritor de Johnny vai à guerra.
Trumbo, em tempos áureos, havia predito “campo de concentração norte-americano” para os que questionassem supostos flancos de “propaganda comunista” embutida em filmes dos anos 1940. Bruce Cook, autor do livro Trumbo, é quem reproduz a resposta audaciosa do roteirista ao investigador-chefe do Comitê de Atividades Antiamericanas: “Muitas questões só podem ser respondidas com “sim” ou “não” (como solicitado) por idiotas ou escravos”.
Evento bombástico
Entre defesas e ataques, as estratégias de astros e estrelas para demarcar posicionamentos políticos sempre cintilaram, especialmente nos períodos marcados por guerras. Em meio aos ataques dos Estados Unidos, em 2003, contra o Iraque, o documentarista Michael Moore, arqui-inimigo de George W. Bush, aproveitou o microfone para bradar: “Vivemos num tempo em que um homem nos manda à guerra por razões fictícias”. Naquela mesma festa, Pedro Almodóvar fez apelo “à legalidade internacional” (em desacordo com aqueles bombardeios), enquanto o ator Gael García Bernal recorreu à certeza de que, se viva estivesse, “Frida Kahlo estaria conosco, e contra a guerra”.
O ano de 1979, no Oscar, também foi explosivo, por alinhar concorrentes bélicos como O franco atirador e Amargo regresso. Os holofotes, naquela noite de premiação, se posicionaram acima do melhor ator, Jon Voight, intérprete de um soldado paraplégico que ecoou vítimas da Guerra do Vietnã: “Recebo este prêmio por todos os rapazes que, atualmente, estão em cadeiras de rodas”.
Contra muitos
Representante da Unicef — com ação efetiva no controle da crise dos refugiados —, a atriz britânica Vanessa Redgrave, ainda ativista, quase aos 80 anos, foi uma das que provou do escândalo político setentista, quando da premiação dela no Oscar. Três anos depois que Burt Schneider, codiretor do premiado documentário Corações e mentes, defendeu o cumprimento dos Acordos de Paz de Paris (em pendentes casos do Vietnã), Vanessa, em 1978, inflamou o Oscar que comemorava 50 anos.
Na luta contra o antissemitismo, e com nítido favorecimento das causas palestinas, Redgrave, premiada por Julia (1977), foi ovacionada quando relembrou esforços mundiais contra a “Alemanha nazista, fascista e racista”. Mas o resto do discurso foi mal digerido por grande parte da comunidade judaica, maciça em Hollywood. Uma das patrocinadoras do Exército de Libertação da Palestina, Redgrave desagradou à Liga de Defesa Judaica, a ponto de a entidade sugerir o futuro desemprego dela. Visada, a atriz chegou à festa em ambulância, tendo funcionários negros como guarda-costas. A falta de representação de negros naquele evento, aliás, incitou protestos da Black in Media Broadcasting Organization.
Rebeldes na festa
Marlon Brando
Num país dominado pela “singular falta de honra”, pelo que notava o ator Marlon Brando, quando da vitória dele, no Oscar, por O poderoso chefão (1972), o ator preferiu recusar a estatueta, em sua sexta indicação. “Acho que os prêmios neste país, nesta época, são inadequados, até que a condição do índio americano seja drasticamente alterada”, registrou, no palco e em nome de Brando, a ativista Sacheen Littlefeather, uma atriz que o representou no prêmio. Decidido a combater a discriminação racial, Brando marcou ponto contra a execução de índios, e no dia da festa disse estar em expedição a favor da tribo sioux Ogala La. Em 1963, vale lembrar, Brando encampou a Marcha pelos Direitos Civis (Washington) ao lado de astros como Harry Belafonte e Charlton Heston. Na foto, com eles, está o escritor James Baldwin.
Jane Fonda
“Faço filmes para apoiar as causas em que acredito, não para ganhar prêmios”, confessou a atriz Jane Fonda, ao escritor George Haddad-Garcia, ainda nos anos de 1970. Depois de representada por um veterano da guerra do Vietnã, nas premiações do Globo de Ouro para Klute — O passado condena (1972), Fonda, que visitou o Vietnã do Norte, teve que conviver com xingamentos como o de “cadela comunista”, pelo que registra Emanuel Levy, autor de Os bastidores do Oscar. Integrada a causas do grupo Panteras Negras, a favor ainda da igualdade de direitos e partidária do apoio ao Fundo dos Soldados Americanos, Fonda abrandou ânimos, ao vencer o Oscar. “Há muitas coisas que poderia dizer esta noite”, se limitou a comentar, ressaltando não ser o local nem o momento.
Elia Kazan
Ator de temperamento forte a ponto de contrariar o mestre do lendário Actors Studio Lee Strasberg, George C. Scott não poupou nem a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que comanda o Oscar. “Não quero ser envolvido”, destacou em telegrama de 1971, quando competia por Patton. A birra maior dele, para além do fato da “corrupta” natureza política atrelada à estatueta, se devia à percepção de que “a vida não é uma competição”. Colaborador indissociável da carreira do citado Strasberg, o cineasta Elia Kazan foi outro criador de saia justa para a Academia, depois de ser apontado como delator de comunistas, em 1952, na era macarthista. Homenageado em março de 1999 pelo Oscar, ao lado dos amigos Robert De Niro e Martin Scorsese, entre vaias e aplausos, ele se limitou, depois do agradecimento, a um mero “acho que eu posso simplesmente ir embora”.
Lillian Hellman, à época, citou o machado “enferrujado e envenenado” do senador Joseph McCarthy, expoente da perseguição a comunistas, em fins dos anos 1940, para sublinhar a rejeição que sentiu perante os “proprietários da indústria do cinema”. Neste ano, em que o diretor Spike Lee mobiliza, via redes sociais, convidados do 88º Oscar para o boicote à festa — por causa da ausência da representação de negros na premiação —, o convite à reflexão do que significa o Oscar e quais as implicações políticas dele é multiplicado.
No Oscar deste ano, o candidato a melhor ator Bryan Cranston interpreta justo o roteirista Dalton Trumbo, que chegou a ser preso, por “desacato ao Congresso” e, na verdade, muito mais perseguido pelo espírito contestador empregado, como “testemunha hostil”, no curso do Comitê de Atividades Antiamericanas, em 1947. Uma greve convocada para 1945, no meio cinematográfico, precipitou o julgamento e as intimações que se abateram entre os “Dez de Hollywood” (entre eles, Trumbo), profissionais que rastrearam um cheiro de censura que viria a se espalhar nas artes, durante os anos de 1950.
O castigo reservado a Trumbo foi um ostracismo que ele desafiou empregando pseudônimos como o de Robert Rich e de Ian McLellan Hunter, na assinatura de roteiros, na época em que foi banido de entidades trabalhistas. Em 1993, o Oscar reparou erros, estendendo à viúva de Trumbo méritos tardios ao escritor de Johnny vai à guerra.
Trumbo, em tempos áureos, havia predito “campo de concentração norte-americano” para os que questionassem supostos flancos de “propaganda comunista” embutida em filmes dos anos 1940. Bruce Cook, autor do livro Trumbo, é quem reproduz a resposta audaciosa do roteirista ao investigador-chefe do Comitê de Atividades Antiamericanas: “Muitas questões só podem ser respondidas com “sim” ou “não” (como solicitado) por idiotas ou escravos”.
Evento bombástico
Entre defesas e ataques, as estratégias de astros e estrelas para demarcar posicionamentos políticos sempre cintilaram, especialmente nos períodos marcados por guerras. Em meio aos ataques dos Estados Unidos, em 2003, contra o Iraque, o documentarista Michael Moore, arqui-inimigo de George W. Bush, aproveitou o microfone para bradar: “Vivemos num tempo em que um homem nos manda à guerra por razões fictícias”. Naquela mesma festa, Pedro Almodóvar fez apelo “à legalidade internacional” (em desacordo com aqueles bombardeios), enquanto o ator Gael García Bernal recorreu à certeza de que, se viva estivesse, “Frida Kahlo estaria conosco, e contra a guerra”.
O ano de 1979, no Oscar, também foi explosivo, por alinhar concorrentes bélicos como O franco atirador e Amargo regresso. Os holofotes, naquela noite de premiação, se posicionaram acima do melhor ator, Jon Voight, intérprete de um soldado paraplégico que ecoou vítimas da Guerra do Vietnã: “Recebo este prêmio por todos os rapazes que, atualmente, estão em cadeiras de rodas”.
Contra muitos
Representante da Unicef — com ação efetiva no controle da crise dos refugiados —, a atriz britânica Vanessa Redgrave, ainda ativista, quase aos 80 anos, foi uma das que provou do escândalo político setentista, quando da premiação dela no Oscar. Três anos depois que Burt Schneider, codiretor do premiado documentário Corações e mentes, defendeu o cumprimento dos Acordos de Paz de Paris (em pendentes casos do Vietnã), Vanessa, em 1978, inflamou o Oscar que comemorava 50 anos.
Na luta contra o antissemitismo, e com nítido favorecimento das causas palestinas, Redgrave, premiada por Julia (1977), foi ovacionada quando relembrou esforços mundiais contra a “Alemanha nazista, fascista e racista”. Mas o resto do discurso foi mal digerido por grande parte da comunidade judaica, maciça em Hollywood. Uma das patrocinadoras do Exército de Libertação da Palestina, Redgrave desagradou à Liga de Defesa Judaica, a ponto de a entidade sugerir o futuro desemprego dela. Visada, a atriz chegou à festa em ambulância, tendo funcionários negros como guarda-costas. A falta de representação de negros naquele evento, aliás, incitou protestos da Black in Media Broadcasting Organization.
Rebeldes na festa
Marlon Brando
Num país dominado pela “singular falta de honra”, pelo que notava o ator Marlon Brando, quando da vitória dele, no Oscar, por O poderoso chefão (1972), o ator preferiu recusar a estatueta, em sua sexta indicação. “Acho que os prêmios neste país, nesta época, são inadequados, até que a condição do índio americano seja drasticamente alterada”, registrou, no palco e em nome de Brando, a ativista Sacheen Littlefeather, uma atriz que o representou no prêmio. Decidido a combater a discriminação racial, Brando marcou ponto contra a execução de índios, e no dia da festa disse estar em expedição a favor da tribo sioux Ogala La. Em 1963, vale lembrar, Brando encampou a Marcha pelos Direitos Civis (Washington) ao lado de astros como Harry Belafonte e Charlton Heston. Na foto, com eles, está o escritor James Baldwin.
Jane Fonda
“Faço filmes para apoiar as causas em que acredito, não para ganhar prêmios”, confessou a atriz Jane Fonda, ao escritor George Haddad-Garcia, ainda nos anos de 1970. Depois de representada por um veterano da guerra do Vietnã, nas premiações do Globo de Ouro para Klute — O passado condena (1972), Fonda, que visitou o Vietnã do Norte, teve que conviver com xingamentos como o de “cadela comunista”, pelo que registra Emanuel Levy, autor de Os bastidores do Oscar. Integrada a causas do grupo Panteras Negras, a favor ainda da igualdade de direitos e partidária do apoio ao Fundo dos Soldados Americanos, Fonda abrandou ânimos, ao vencer o Oscar. “Há muitas coisas que poderia dizer esta noite”, se limitou a comentar, ressaltando não ser o local nem o momento.
Elia Kazan
Ator de temperamento forte a ponto de contrariar o mestre do lendário Actors Studio Lee Strasberg, George C. Scott não poupou nem a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que comanda o Oscar. “Não quero ser envolvido”, destacou em telegrama de 1971, quando competia por Patton. A birra maior dele, para além do fato da “corrupta” natureza política atrelada à estatueta, se devia à percepção de que “a vida não é uma competição”. Colaborador indissociável da carreira do citado Strasberg, o cineasta Elia Kazan foi outro criador de saia justa para a Academia, depois de ser apontado como delator de comunistas, em 1952, na era macarthista. Homenageado em março de 1999 pelo Oscar, ao lado dos amigos Robert De Niro e Martin Scorsese, entre vaias e aplausos, ele se limitou, depois do agradecimento, a um mero “acho que eu posso simplesmente ir embora”.