Primo Levi tinha 24 anos quando foi levado para Auschwitz. Onze meses mais tarde, quando o campo da morte na Polônia foi libertado pelos russos, era um dos três judeus italianos sobreviventes de seu grupo original, formado por 650 conterrâneos. Dois anos após o fim da Segunda Guerra, publicou sua vivência no período em É isto um homem?, um dos relatos mais contundentes e duros sobre o Holocausto.
A descrição que Levi (1919-1987) fez de si e dos que conviveram com ele ao longo de 1944 cai como uma luva para outro judeu, o húngaro Saul Ausländer (Géza Röhrig), protagonista do igualmente contundente e duro O filho de Saul. Vencedor de quatro troféus no Festival de Cannes (incluindo o Grande Prêmio do Júri) e do Globo de Ouro, o longa-metragem de László Nemes é o favorito ao Oscar de filme estrangeiro.
Em meados de 1944, Auschwitz estava dominado por húngaros – depois do iídiche, o húngaro era a língua mais falada entre os prisioneiros. Distante das vítimas regulares do campo ficavam aqueles que logo após sua chegada eram recrutados para o chamado Sonderkommando. Judeus obrigados a se tornar algozes dos próprios judeus.
CÂMARAS DE GÁS A eles eram destinadas as tarefas mais críticas, como encaminhar as pessoas para as câmaras de gás, buscar nas roupas dos mortos objetos de valor, recolher os corpos e também as cinzas retiradas dos crematórios. Mantidos isolados, não tinham a cabeça raspada.
epois de algum tempo em Auschwitz, Saul já se tornou um autômato. Com a cabeça sempre baixa, realiza, sem contestar e demonstrar sentimento, suas funções. Tudo muda quando ele descobre, entre os mortos, um garoto que acredita ser seu filho. O homem decide realizar uma tarefa praticamente impossível: encontrar no campo, em meio a disputas de poder e tentativas de rebelião, um rabino para dar um funeral digno ao menino.
László Nemes acompanha a triste jornada de Saul sem respiro (o filme foi realizado na chamada janela clássica, de 4:3). O cineasta optou por fazer uso da câmera (que parece estar sempre na mão) em primeira pessoa, com planos bastante longos. O foco está todo no personagem, literalmente.
Já na sequência inicial, com a câmera quase na nuca de Saul, nós o vemos realizar suas funções. Como o foco está no personagem, só vamos entender a situação um pouco mais adiante, quando os corpos, sempre em segundo plano, são apresentados. O desconforto do espectador é imediato, e a sensação de passividade diante do horror não esmorece no decorrer da narrativa. Mesmo quando Saul encontra uma missão que lhe garante um (último) suspiro de humanidade frente ao horror.
Cotação: Muito bom.