Cacá Diegues descansa em cadeira de praia após o desfile da Unidos de Belfort Roxo - Foto: Helvécio Carlos/EM/D.A Press
Só quem encara o Sambódromo sabe: ao final do desfile, ninguém será o mesmo. O cansaço físico é inevitável, mas a emoção que se sente ali anestesia o pé dolorido e revigora o corpo em frangalhos. Ninguém, nem mesmo quem está acostumado a emocionar o público com obras que transitam pelo universo do carnaval brasileiro, escapa das alegrias e belezas da Marquês de Sapucaí. Que o diga o cineasta Cacá Diegues.
%u201CFoi um sonho. Por mim, não acabaria nunca%u201D, revelou ele, emocionado, assim que acabou o desfile da escola de samba Inocentes de Belford Roxo, no início da madrugada de domingo (7/2). A agremiação da Baixada Fluminense, que homenageou o cineasta com o enredo Cacá Diegues - Retratos de um Brasil em cena, está na briga por uma desejada vaga no Grupo Especial.
Aos 75 anos, o diretor de "Orfeu do carnaval", "Xica da Silva" e "Bye bye Brasil" conta que se sentiu muito lisonjeado com o convite. %u201CNão tinha contato com a comunidade de Belford Roxo, que prestou essa homenagem de forma espontânea e muito carinhosa%u201D, afirmou. Stepan Nercessian, um dos atores mais presentes na obra do diretor - ele interpretou José no filme "Xica da Silva"-, fez questão de desfilar.
%u201CCacá ultrapassa o cinema. Ele une a expressão cultural do morro e da periferia com a expressão cultural da elite, da intelectualidade. Cacá faz essa ponte%u201D, elogiou. %u201CTenho paixão por Cacá Diegues%u201D, derreteu-se.
Carro alegórico da Unidos de Belfort Roxo que teve o cineasta Cacá Diegues como tema de seu enredo - Foto: Vanessa Carvalho/Photo Press/AE
Sempre que pôde, cineasta visitou o barracão da escola. Porém, como está finalizando seu próximo longa, O grande circo místico, não teve tempo de se preparar fisicamente para o Sambódromo. Nem precisou. Com desenvoltura, fez bonito ao lado da mulher, Renata Almeida Magalhães, no alto do carro alegórico "O Oscar do samba". Cacá e Renata contaram com o apoio do Carvalhão, "guindaste-personagem" do carnaval carioca. O casal foi levado até a plataforma, a cinco metros do chão, dentro de uma cesta. %u201CIsso não foi problema. Meu coração vibrou logo na curva da concentração para a Sapucaí. Quase enlouqueci. Ouvir o som do público, ver as pessoas acenando é muito emocionante.
Uma afluência de emoções%u201D, disse ele.
Quando tudo acabou, lá estava Cacá Diegues sentado no meio fio de uma das avenidas laterais do Sambódromo, esperando a van que o levaria para casa. Bem-humorado, só fez uma queixa: %u201CNa minha idade, sentar no chão e levantar é duro%u201D. Mas nada foi problema. Sentadinho ali, atendeu os integrantes da Inocentes de Belford Roxo que passavam por ele. Todos queriam fotos com o "enredo".
O cineasta homenageado ao lado dos netos, que participaram do desfile - Foto: Helvécio Carlos/EM/D.A Press
Lá pelas tantas, um grupo de moças acenou para Cacá e, feliz da vida, de braços dados, seguiu cantarolando um trecho do samba-enredo: %u201CValeu, Cacá/ Por vir ao mundo/ E alegrar tanta gente%u201D. Parecia coisa de cinema.
Alvinegro de coração, Cacá Diegues avisou: %u201CAssim como o Botafogo, vamos trazer a Belford Roxo para a Primeira Divisão%u201D. Os amigos, que estavam reunidos no Jardim Pernambuco, no Leblon, curtiram a ideia. Antes de seguir em três vans para o Sambódromo, Cacá fez um pedido à turma: %u201CPor favor, não usem celular. Isso tira ponto da escola.
Melhor nem levar. Se levar, não use na avenida%u201D. E brincou: %u201CVou ali me vestir de Oscar e volto%u201D. Depois, surgiu com terno e sapatos dourados.
"Levanta o pescoço. Postura e alegria!%u201D, recomendou a produtora Renata Almeida Magalhães, mulher do cineasta. Foi a senha para a turma seguir para a van. Cacá, Renata e o ator Stepan Nercessian foram no mesmo grupo. No caminho, cantaram o samba-enredo. %u201CAgora, vamos dar uma relaxada como se faz na véspera de prova%u201D, brincou Renata, escondendo um pouco a ansiedade. O clima na van de "seu" Cacá ficou mais animado quando alguém teve a ideia de pôr para tocar a canção "A luz de Tieta", de Caetano Veloso, tema do filme homônimo de Diegues.
O setentão mostrou fôlego de rapaz. Como o acesso às ruas próximas à concentração estava fechado, o comboio do cineasta parou em frente à estação do metrô Cidade Nova. Dali para o outro lado, os bons minutos de caminhada não tiraram o humor de Cacá Diegues. Munidos de celulares, fãs queriam fotos, fotos e mais fotos. A cada clique, uma frase amistosa. %u201CO refrão é emocionante%u201D, disse um dos foliões, citando os versos "Meu coração é pura emoção/ O cinema hoje invade a passarela/ Canta a cidade do amor/ Bate forte no peito/ Inocentes chegou".
Cacá ficou mais alegre ainda ao encontrar os netos Monah, de 11 anos, e Mateo, de 10. As crianças não desgrudaram do vovô coruja.
Quando o "enredo" chegou à concentração, alguém ofereceu uma cadeira portátil, dessas de praia. Sentadinho, ele continuou tirando fotos com os fãs. Pouco depois das 23h, Cacá Diegues e Renata, içados pelo Carvalhão, ocuparam os lugares no carro alegórico. Daí em diante, foi só alegria..