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Um passo de cada vez

Papel de Stallone em Creed - nascido para lutar pode levar o Oscar

Ator revive pela sétima vez seu mítico personagem Rocky Balboa, faz piadas sobre si próprio e, depois de ganhar o Globo de Ouro, pode levar o prêmio de melhor ator coadjuvante.

Mariana Peixoto
Sylvester Stallone e Michael B. Jordan em cena de Creed, filme dirigido por Ryan Coogler: entre os cotados - Foto: Warner/Divulgação
“Se você olhar direito, pode ver toda sua vida daqui.” Rocky Balboa, um senhor de saúde frágil, com algumas sequelas da vida nos ringues, passou todos os ensinamentos que podia a seu discípulo, Adonis Johnson, filho de seu grande amigo Apollo Creed. Agora, do alto da cidade de Filadélfia, só lhes resta aproveitar o momento.


A cena final de Creed – Nascido para lutar, de Ryan Coogler, serve como metáfora para a própria trajetória de Sylvester Stallone. Aos 69 anos e interpretando seu principal personagem pela sétima vez, o ator colhe os louros de uma carreira de muito sucesso e pouco prestígio.

O agradecimento ao “amigo imaginário”, companheiro de tantos anos, Rocky Balboa, ao receber o Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante no início deste mês sob um mar de palmas, foi o prenúncio do que pode ocorrer no Oscar.

Depois de 39 anos, Stallone voltou a ser indicado pelo lutador ítalo-americano, a grande esperança branca nos ringues. Só que, em 1976, ele foi indicado (e não levou) o Oscar de ator principal. É o maior hiato entre duas indicações pelo mesmo personagem na história da premiação – Paul Newman, por exemplo, levou 25 anos entre a primeira e a segunda vez que foi indicado por “Fast” Eddie Felson de Desafio à corrupção (1961) e A cor do dinheiro (1986).

Sly é apontado em várias bolsas de apostas como o vencedor na categoria. Caso vença, terá batido um candidato de peso como Tom Hardy, que vem de uma safra de grandes personagens (Max de Mad Max e John Fitzgerald por O regresso, papel que lhe deu a indicação). E mesmo tendo vencido o Globo de Ouro, ele ficou de fora das indicações do SAG Awards, do sindicato dos atores, importante indicador do Oscar (e seus concorrentes de categoria, Mark Rylance, de Ponte dos espiões, e Christian Bale, de A grande aposta, o foram).

A favor de Stallone pesam o fato de Hollywood adorar um retorno triunfal como também prestar reconhecimento a um artista maduro nunca antes premiado. E sim, para quem duvida dos dotes artísticos de um ator-símbolo de intérpretes com muito músculo e pouco cérebro, é só o ver em Creed, ainda em cartaz nos cinemas.

O corpo pesadão resultado de anos de sedentarismo, o olhar triste de quem tem consciência de que seus melhores dias já passaram e um jeito quase bobo de quem já levou muita porrada na vida compõem o Rocky atual.

Inteligentemente, Stallone se utiliza de suas próprias falhas para compor o personagem. A fala letárgica, como se tivesse um ovo na boca (resultado de uma paralisia facial que sofreu após seu nascimento, num parto de fórceps), vira piada no filme.

Stallone sabe que Creed (que tem potencial para sequência) não é um filme dele, e dá espaço para que o protagonista Michael B. Jordan brilhe. Creed agrada realmente aos fãs da franquia nascida quatro décadas atrás. É repleto de clichês e autorreferências – as escadas que os personagens sobem, citação a antigos personagens, a música e muito sentimentalismo. Mas também tenta dar um passo além. É um dos poucos filmes de boxe a ter um protagonista negro, que, a despeito da fúria que apresenta no ringue, carrega uma doçura incomum.

Stallone, ao ceder o posto a Jordan e sem precisar provar nada a ninguém, passeia com graça na própria mitologia de Rocky. Um personagem nascido a partir de uma luta que ele assistiu entre Muhammad Ali e Chuck Wepner. Em meados dos anos 1970, Stallone, sem um tostão no bolso, conseguiu emplacar o roteiro de Rocky, um lutador depois de muita negociação.

Branco da classe trabalhadora, o personagem ganhou Hollywood logo no primeiro round. Rocky, um lutador não era apenas um filme de boxe. Era uma história de superação, numa época em que a América queria esquecer o trauma do Vietnã e a era Nixon.

Tanto por isto, o filme teve 10 indicações e levou três prêmios. Num ano em que o cinema político dominava a premiação, um melodrama de boxe levou a melhor com os Oscars de melhor filme, direção e montagem. Os troféus de Rocky estão entre as chamadas injustiças do prêmio – o longa de um desconhecido John G.
Avildsen bateu nada menos do que Taxi driver, de Martin Scorsese, Todos os homens do presidente, de Alan J. Pakula, e Rede de intrigas, de Sidney Lumet.

Os anos passaram e a franquia – que Stallone, na década de 1980, dividiu com seu outro grande personagem, o veterano de guerra Rambo, símbolo da era Reagan – teve altos e baixos. Se no início havia um contexto racial (o maior rival de Rocky era Apollo Creed, mais tarde vertido em seu maior amigo), com o passar dos anos, a série passou a se concentrar com a divisão geopolítica acarretada pela Guerra Fria. Rocky, com seu patriotismo exacerbado, tinha como maior inimigo um lutador soviético.

Agora, o personagem só tem uma briga a vencer: a chegada da velhice e os efeitos que ela pode trazer. Se a briga do personagem com a passagem dos anos é dura em cena, Stallone, próximo dos 70, volta rejuvenescido ao páreo. Neste 28 de fevereiro, suas chances são reais de subir ao palco do Teatro Dolby, em Los Angeles, e repetir, tal qual o velho lutador: “Se você olhar direito, pode ver toda sua vida daqui”.

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