Russell adora heróis que vivem histórias conturbadas, em famílias desestruturadas, mas terminam chegando lá, não necessariamente à zona de conforto proporcionada pelo sucesso, tão decisivo na competitiva sociedade norte-americana, mas também. O garoto de A Mão do Desejo masturba-se, o de Procurando Encrenca parte em busca dos pais biológicos, o de O Vencedor consegue ser campeão malgrado o favoritismo da mãe pelo outro irmão. Mais que os demônios internos, os demônios em torno são o tormento dos heróis e heroínas de Russell. Por isso mesmo, seu melhor filme até hoje era Quatro Reis, de 1999, apesar dos problemas que teve com o astro George Clooney.
Era, porque agora o melhor passa a ser Joy, com o sugestivo subtítulo de O Nome do Sucesso.
O sexo passa ao largo de sua história, mas há muito sexo na família. O pai casa-se de novo (e a madrasta é, sim, uma megera). A mãe, presa ao leito, descobre seu salvador. Joy vive na casa deteriorada e ainda abriga o ex. Nenhum homem vem salvá-la. Ela é quem se salva, apesar deles. Como se conta uma história dessas? Como se conta a de Quatro Reis, sobre um grupo de soldados, heróis improváveis, na Guerra do Iraque? Joy começa com o que parece uma paródia de telenovela, sobre uma heroína sofredora. O príncipe da mãe é um haitiano negro e pobre, mas bom de encanamentos e de cozinha. Joy não tem príncipe. Tem a si mesma, e a confiança da avó.
De tanto ouvir os críticos dos EUA dizerem que ele é o Federico Fellini de Hollywood, Russell terminou por acreditar e fez seu Oito e Meio, centrado não na figura de um diretor, mas na dessa mulher que transforma o espetáculo deplorável de sua vida no sucesso do título brasileiro. Realidade, memória, projeções do inconsciente.