Os holofotes sobre os longas-metragens escondem o fato de que os curtas são a maioria absoluta da produção de cinema. Inclusive na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que exibe dezenas de obras nesse formato, vindos de 12 estados brasileiros. É universo babélico quanto à duração, conteúdos, estéticas, perfil de realizadores – desde estudantes de cinema até veteranos. Cujos trabalhos são, sempre, desconcertantes. “Hoje, com as câmaras nos celulares, todas as pessoas fazem curtas”, brinca o diretor Geraldo Velloso.
Há quem tenha obra respeitada e celebrada com curtas. Como Rafael Conde, de 53 anos. Ele já realizou 10 filmes, entre 1987 e 2015, o mais recente deles Bili com limão verde na mão, saborosa consideração sobre os dramas juvenis. “Curta-metragem, de certa forma, circula de maneira mais tranquila. É muito duro lançar longa”, explica o diretor. A observação se refere à desenvoltura com que os formatos curtos circulam pela internet (inclusive em dispositivos móveis), televisão, festivais de cinemas etc. “Queremos que os filmes sejam vistos pelo público”. Curta, para o diretor, é “o prazer de fazer filmes”, comemora, recordando que ele é “da época da película” e de quando fazer cinema era um drama. Como lidar com produção tão grande? “Deixamos a resposta para os curadores”, brinca Rafael.
Festivais
Quem faz curta-metragem valoriza festivais de cinema. “Não são apenas lugares de exibição, mas de intercâmbio de ideias, embates, debates, de fazer amizades, possibilidade de discutir filmes e ver a reação do público”, conta Flávio von Sperling, de 26, que mostrou em Tiradentes o curta Lembranças de Mayo, comédia que mexeu com o público. É o quinto curta dele. O maior prazer da atividade, para ele, é “a sala de projeção cheia”. O drama, fazer cinema sem dinheiro.
Mais da metade dos curtas-metragens mineiros da Mostra de Tiradentes vieram de Juiz de Fora (MG). Como Um pouco a mais, de Aleques Eiterer, de 43. Seu oitavo filme, trabalho tenso, forte, expressivo, foi inspirado na obra do escritor Luiz Ruffato, pontuando tensões entre a vida das pequenas e grandes cidades. Como todos os entrevistados pelo Estado de Minas, ele frisa que curta não é preparação para o longa, embora seja também um espaço de formação para quem faz cinema. “A inovação no cinema está nos curtas-metragens. É desse setor, mais do que dos longas, que vêm as novas propostas”, garante.
Quintal é o sétimo curta-metragem de André Novais Oliveira, de 31. Ele não se surpreende com os números que revelam que a produção de curta-metragem é intensa. “Traduz vontade de muita gente de fazer cinema”, conta.
“Curta é cinema independente e um desafio. Contar uma história em pouco tempo cobra criatividade”, observa Maria Abdalla, diretora e curadora do Goiânia Mostra Curtas. Ela conta que a produção no setor sempre foi grande, mas ganhou novo impulso devido às novas tecnologias e ao apoio de políticas públicas. “O resultado foi a democratização da possibilidade de fazer cinema”, explica.
Curta-metragem, conta a curadora, é gênero aberto a todas as linguagens, integra realizadores de todas as idades e perfis e, no momento, a produção revela maior interesse pela ficção. Mas a maior marca é a experimentação. “A nova geração de realizadores está mais preocupada em colocar suas ideias nos filmes do que em mercado. Como é filme com produção mais barata, o realizador arrisca”, analisa.
*Os repórteres viajaram a convite da 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes.