A doceira e confeiteira se lembra de que o dinheiro não estava farto na casa onde criava os quatro filhos e a bilheteria do cinema, embora não tenha resultado em um negócio lucrativo, era uma tentativa de aumentar a renda. Foi graças às economias do irmão que foi possível ir a Belo Horizonte comprar o equipamento usado que rodava os filmes e começar o negócio. “Cheguei para meu irmão e disse ‘Zé, por que você não cria um cinema, ajuda a gente e melhorar a cidade, que não tem nada?’. Ele gostou da ideia e começaram a fazer o cinema juntos”, diz.
Com a memória já não muito clara, Luíz Fonseca conta com a ajuda do filho, Luizinho Francisco da Fonseca, de 61, para trazer à tona as lembranças do Cine Tiradentes enquanto funcionou, entre 1965 e 1969, na sede do Aimorés Futebol Clube, time tradicional da cidade, fundado em 1929.
Carretel
“A tela era grande, cerca de 6m por 3,5m, com uma borda preta, as cadeiras individuais, de madeira, e o filme era de carretel”, lembra Luizinho. Alugados em Belo Horizonte, filmes de Grande Otelo, Mazzaropi e títulos como E o vento levou, Bonanza e Crepúsculo da tarde dividiam a programação com A vida de Cristo, que costumava ser projetado durante os feriados religiosos. “Teve uma vez que veio um pessoal da roça ver A vida de Cristo. Teve gente que ficou tão revoltada com o sofrimento de Cristo que brigava, chorava, falava que ele não merecia aquilo e tirava o revólver para atirar na tela. No dia seguinte, passou a reprise do filme e foram assistir de novo. No meio do filme, um senhor fala com o outro: ‘Não vou ver de novo, compadre! Ele é sem-vergonha. Por que tinha que voltar aqui hoje para apanhar de novo?’”, conta dona Josefina, caindo na risada.
Contemporânea dos precursoress da sétima arte na cidade e vizinha do antigo cinema, Maria José Moura, de 84, era frequentadora das sessões, sempre lotadas. “Naquela época não tinha nada na cidade. Ir ao cinema e esperar a chegada do trem eram as únicas diversões. Vestíamos roupa nova e íamos ver filme e namorar “, conta ela.
O cinema acabou quando Luíz da Fonseca foi nomeado prefeito e teve que abandonar o negócio. O cunhado não quis seguir sozinho e o prédio pediu uma reforma que não puderam fazer.
Depois de um hiato de quase 30 anos, em 1998, a cidade voltou a ter uma tela de cinema, no teatro do Centro Cultural Yves Alves, na mesma rua, bem em frente à antiga sala. Desconhecendo a existência do antigo espaço, Raquel Hallack, à frente da Universo Produção, inaugurou, em 1998, o cine-teatro para a primeira edição da Mostra de Cinema de Tiradentes. “Com a morte do Yves Alves, proprietário e idealizador do espaço, criamos a mostra em parceria com a Fundação Roberto Marinho e a prefeitura, para reinaugurar o centro cultural”, conta. Administrado pelo Sesc, do Sistema Fiemg, atualmente o espaço oferece sessões semanais para os moradores, além de atender à mostra anualmente..