A melhor definição de Reza a lenda, filme que estreia nesta quinta-feira em BH, talvez seja a do apresentador Serginho Groisman: mistura de Easy rider com Mad Max e Deus e o diabo na terra do sol. A história se passa em uma terra sem lei, onde a sorte favorece apenas os fortes e corajosos. Ara (Cauã Reymond), homem de poucas palavras, é o líder de um bando de motoqueiros armados, seguidores de antiga lenda capaz de devolver justiça e liberdade ao povo daquela região. Quando o grupo comete um ousado roubo, desperta a fúria do poderoso Tenório (Humberto Martins), determinado em destruí-lo e recuperar o que acredita ser seu. Durante a caçada, a jovem Laura (Luisa Arraes) é resgatada de um acidente e segue Ara, despertando o ciúme de Severina (Sophie Charlotte), companheira do motoqueiro.
Definir o gênero do longa de estreia do cineasta Homero Olivetto é uma tarefa complicada. Nem ele nem os atores chegaram a consenso. “Criei um sertão fantasioso, uma ficção moderna. Se fosse resumir, é um filme que fala sobre a opressão e contra a opressão”, disse Olivetto, que assina o roteiro em parceria com Patrícia Andrade (2 filhos de Francisco) e Newton Canitto (Cidade dos homens).
Durante exibição para os jornalistas, no fim do ano passado, Cauã Reymond perguntou: “O que vocês acham que é?”. Drama, aventura, faroeste, ação, fé e até romance, responderam os repórteres. “Talvez essa seja uma das coisas mais interessantes da produção. Ela consegue mesclar um pouco de tudo. É algo indefinido, meio raro no cinema brasileiro. No começo do projeto, tinha até um pouco de quadrinhos, aquela coisa de graphic novel de luxo, mas também fiquei na dúvida. Isso é bacana”, afirmou o ator.
CAATINGA Rodado no sertão nordestino, principalmente em Juazeiro (Bahia) e Petrolina (Pernambuco), o longa traz belas paisagens da caatinga. Chama a atenção a fotografia de Marcelo Corpanni. A trilha sonora também se sobressai, mesclando pop e eletrônico. “Um dos pontos altos é o casamento de fotografia, direção de arte, trilha e figurino. Há harmonia nesse sentido”, observou Sophie Charlotte.
Completamente irreconhecível – e distante de seus papéis habituais –, Sophie/Severina surge com visual andrógino. Uma das lideranças dos motoqueiros, a garota tem personalidade forte – um trunfo, mas também uma de suas maiores fraquezas. “É até curioso, porque tenho raízes alemãs e paraenses e faço essa figura tipicamente nordestina. Por outro lado, a Luisa (Arraes), filha e neta de pernambucanos e praticamente criada lá, faz a única personagem não nordestina. Rodar ali, com aquela energia do São Francisco, nos deu força e magia únicas”, comentou Sophie.
A atuação de boa parte dos atores é convincente. Curiosamente, o maior destaque é Humberto Martins. Conhecido por interpretar galãs descamisados nas novelas de Carlos Lombardi, o ator rouba a cena como o vilão Tenório, que tem o hábito cruel de degolar inimigos e amarrar as cabeças em balões de são-joão. Uma pena o desperdício do talento de Júlio Andrade – seu personagem, Galego Lorde, uma espécie de guru de uma seita enigmática, é uma “viagem” que o diretor Homero Olivetto diz ter se permitido. Meio nada a ver, para falar a verdade. Outro desperdício: Jesuíta Barbosa como um dos cangaceiros modernos.
Em um mercado como o brasileiro – “viciado” em comédias e cinebiografias –, Reza a lenda, pelo menos, tentou inovar.
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