Não que Nicholson, aos 78 anos, se importe muito com isso. Todo mundo – em Hollywood e fora dela – sabe que o ator é um galanteador, ladrão de mulher, bon vivant e ávido colecionador de arte (seu acervo, no qual figura uma grande tela de Picasso, é avaliado em mais de US$ 100 milhões). O que talvez poucos saibam, segundo o biógrafo Marc Eliot, é que Nicholson tinha fantasias de castração e homoeróticas quando tomava LSD e que até “teria visto a face de Deus” em sua primeira experiência com o ácido, durante as filmagens de – não poderia ser outro – The trip (Viagem ao mundo da alucinação), dirigido em 1967 pelo rei dos filmes B, Roger Corman.
Nicholson, como se sabe, fez um monte de filmes vagabundos – com Corman e outros – antes de pegar carona nas motocicletas dos hippies Peter Fonda e Dennis Hooper em Sem destino (Easy rider, 1969). É possível que, a exemplo do seu personagem no filme, um advogado texano e caipira, ele tenha experimentado maconha pela primeira vez por essa época – o biógrafo garante que ele fazia uso regular dela ao escrever seus primeiros roteiros, como Os Monkees estão à solta (Head, 1968, primeiro filme de Bob Rafelson) e durante a filmagem de A última missão (The last detail, 1973), dirigido por Hal Ashby. Cocaína, idem, mesmo em cena – a sequência em que ele chora para valer em Cada um vive como quer (Five easy pieces, 1970), segundo sua ex-namorada e parceira no filme Susan Anspach, que tem um filho com o ator.
Se você suportou essa overdose de drogas até agora, talvez seja conveniente explorar o lado positivo da biografia de Nicholson. O autor Marc Eliot destaca entre suas qualidades a extrema lealdade aos amigos e a perseverança do ator.
Oscar
O sucesso de Sem destino no Festival de Cannes, um filme contra o sistema, garantiu a Nicholson uma indicação para o Oscar de melhor coadjuvante e ajudou a descolar dele o rótulo de ator de filmes de baixo orçamento. Coincidentemente, a primeira produção independente da dupla Rafelson-Nicholson na produtora BBS, Cada um vive como quer, elege como protagonista um homem dividido entre a classe operária e a aristocracia americana, que sai pela América à procura da identidade, uma busca tão compulsiva que ele e o parceiro repetiram casos reais de suas vidas, como a cena da explosão de Nicholson com a garçonete que se recusa a atender ao seu pedido (uma cena que aconteceu com os dois numa cafeteria de Sunset Strip).
O biógrafo não dá um níquel para o primeiro filme independente dirigido por Nicholson, O amanhã chega cedo demais (Drive he said, 1971). Diz apenas que ele fez o teste do sofá com uma centena de candidatas antes de escolher June Fairchild, que ele provavelmente já tinha em mente para o papel. O filme foi um fiasco, vendido pela Columbia como “pornográfico”. Seria necessário ainda mais um tempo, em 1971, até a consagração de Nicholson como ator sério no filme de Mike Nichols Ânsia de amar (Carnal knowledge), que o confirmou como o melhor ator do cinema americano de sua geração, aos 34 anos.
Hoje afastado das telas, Nicholson raramente deixa sua mansão, em Mulholand Drive. Fez uma aparição pública no Oscar, em 2013, e interrompeu uma entrevista de Jennifer Lawrence para dizer que ela se parecia com uma antiga namorada. No dia seguinte, ligou para sua paixão, Anjelica Houston. O livro acaba aí, mencionando apenas en passant os grandes filmes de Nicholson como O passageiro: Profissão repórter, O iluminado, Um estranho no ninho e Ironweed, dirigido pelo brasileiro Hector Babenco. (Estadão Conteúdo)
NICHOLSON – A BIOGRAFIA
. De Marc Eliot
. Tradução: Caco Ishak
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. 352 páginas, R$ 49,90 .