Em 1994, quando Guilherme Fontes decidiu comprar os direitos do livro Chatô, o rei do Brasil, de Fernando Morais, para transformá-lo em filme, não imaginou que daria início a uma jornada de duas décadas.
Acostumado a papéis de destaque nas novelas e no cinema, Fontes estava entusiasmado com sua estreia como diretor. Havia conseguido patrocínio de várias empresas e cerca de R$ 8 milhões via leis Rouanet e do Audiovisual. Mas o longa sobre Assis Chateaubriand, que deveria estrear em 1997, teve o prazo esticado para 1999. A partir dali, a produção em si virou uma saga que renderia um filme à parte e, antes mesmo de estrear, entrou para a história do cinema brasileiro.
Mesmo em meio a tantos atrasos e contratempos, o diretor de Chatô sente-se realizado por não ter se desviado de seu objetivo. Confiante, revela que não esmoreceu. “Eu já sabia que ia chegar aonde cheguei hoje, em relação ao filme.” Assis Chateaubriand, o Chatô, sempre foi uma figura controversa, mas de importância seminal. Magnata das telecomunicações do país, foi dono de um império jornalístico, que reuniu dezenas de jornais, revistas e estações de rádio. Foi também pioneiro da televisão no país, criando a TV Tupi em 1950.
INSPIRAÇÃO
Para seu primeiro filme, Guilherme Fontes buscou inspiração no clássico Cidadão Kane, de Orson Welles, em Martin Scorsese e Federico Fellini e no Cinema Novo. Além do próprio Fontes, o roteiro contou com colaboração de João Emanuel Carneiro (autor das novelas Avenida Brasil e A regra do jogo) e do norte-americano Matthew Robbins, indicado por Francis Ford Coppola.
O livro homônimo de Fernando Morais serviu de base para o longa Chatô, o rei do Brasil. Mas Fontes optou por não obedecer a uma cronologia e também abriu mão do realismo. A narrativa, anárquica e ágil, foi escolha do diretor, desde o começo: “O ideal, a forma, o estilo.
Marco Ricca, o protagonista, encarna o complexo Chatô. No elenco, também se destacam Andréa Beltrão, Paulo Betti, Letícia Sabatella e Leandra Leal. Entre lentos avanços e muitos retrocessos, o filme sobreviveu bem ao tempo. A maioria das críticas tem elogiado Chatô e ressaltado seus méritos.
“Quando a lenda for mais forte que a realidade, imprima-se a lenda.” A frase, celebrizada no clássico O homem que matou o facínora (1962), de John Ford, poderia até se aplicar ao filme de Fontes. Mas o diretor conseguiu provar que seu projeto não era lenda. “Fui vitimado pelo meu próprio personagem”, afirma. “A produção virou lenda, o filme virou lenda, o diretor virou lenda.” Mas, para seu triunfo, o mito se tornou, finalmente, realidade. “Fui brindado com essa recepção positiva da crítica, praticamente unânime”, orgulha-se ele.
Cinco perguntas para...
GUILHERME FONTES, diretor de Chatô
Como conseguiu manter uma unidade em sua obra, ao longo de 20 anos de produção?
É exatamente assim que sou. Eu me propus a concluir bem meu projeto, mesmo tendo que esperar. Não tinha como concluir de qualquer jeito e perder a unidade original. Essa coerência já estava prevista, pois sempre achei que o filme tinha muita atualidade. Então, esse não foi um grande drama.
Diante de tanta expectativa em relação ao lançamento do filme, em algum momento ficou inseguro quanto ao resultado?
Não vou negar, fiquei apreensivo, como acontece antes de qualquer estreia. Mas via e sentia que o filme estava sendo bem recebido nas cabines (sessões para a imprensa) que havia feito. E isso me deixava a cada dia mais animado. O filme passeia entre a realidade e a ficção, em vários momentos.
Como foi transitar entre esses dois registros, tratando-se de um personagem tão controverso como Chatô?
De certa forma, facilitou muito. Pude ir conduzindo o espectador e fazendo com que ele aceitasse aquele personagem complexo. Dessa forma, achei um meio de torná-lo mais humano, mais próximo, mais errático.
Depois de tantos anos de luta para lançar Chatô, tem vontade de dirigir outros filmes?
Claro! Tenho mais três projetos na manga. Penso em dirigir um filme sobre religião, um sobre a chegada das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) no Rio de Janeiro e um outro sobre surfe urbano.
Como lida com as acusações de desvio de dinheiro que marcaram a produção do filme?
Lido com extrema tristeza, porque todos estavam errados. Houve uma falácia, uma invenção que surgiu na Zona Sul do Rio de Janeiro, se espalhou e acabou virando lenda. Essa discussão sobre prestação de contas é uma coisa natural. Mas, por inveja, ciúme e maledicência, a transformaram em perseguição.