Malala Yousafzai e é uma das mais famosas vítimas das históricas disputas políticas, territoriais, ideológicas e religiosas no Oriente Médio e regiões próximas. Filha de Ziauddin Yousafzai, professor e dono de escola apaixonado pela profissão, e Tor Pekai Yousafzai, que trocou os livros por doces e nunca mais voltou à escola, ela foi a primeira garota inserida na árvore genealógica de mais de 300 anos mantida pela família. Ganhou notoriedade internacional após assumir a autoria de um blog anônimo no qual narrava o cotidiano e dificuldades enfrentados pelas garotas do país.
Insurgente da luta pela educação feminina, tornou-se um dos alvos do Talibã, anunciados todas as noites na rádio local - o pai dela, Ziauddin Yousafzai, também estava entre os inimigos da organização terrorista. Em 2012, aos 15 anos, foi alvo de três tiros à queima-roupa por representantes do grupo armado. Malala foi tratada em Birmingham e mora com os pais e dois irmãos na Inglaterra - nação que dominou a região onde nasceu entre 1858 e 1957. Em Londres, está sediado o Instituto Malala, cuja principal missão é defender o direito à edução entre mulheres, e a maior biblioteca pública da Europa, inaugurada por ela.
A estreia do documentário Malala ocorre em meio ao furacão provocado pela maior crise imigratória no continente desde a Segunda Guerra Mundial e pelos ataques terroristas que deixaram 132 mortos e cerca de 350 feridos em Paris. Após a morte de mais de 2,5 mil pessoas durante a travessia entre os países de origem – especialmente a Síria – e o continente europeu, governos e moradores anunciaram apoio aos refugiados. Desde a sexta-feira, entretanto, França, Alemanha, o principal destino dos refugiados, e outros países têm anunciado o aumento da vigilância das fronteiras.
A popularização da história de Malala é uma poderosa arma contra os preconceitos sofridos por muçulmanos, frequentemente hostilizados na Europa. "Diante de um momento de crise, as pessoas tendem a generalizar. Malala deixa o recado de que não devemos colocá-los na mesma categorização. O islamismo é uma religião de paz, de quase um bilhão de pessoas. Quando a gente trata com respeito e tolerância todas as religiões, passa a contribuir de maneira positiva para a inclusão social", analisa o cientista político Thales Castro, assessor internacional da Universidade Católica de Pernambuco.
No filme de Guggenheim, a força da ativista reconhecida internacionalmente se funde à ingenuidade de menina quando fala sobre ícones masculinos, como Brad Pitt e Roger Federer. A produção acompanha viagens, discursos – como as memoráveis falas na cerimônia do Nobel e na Assembleia da Juventude da ONU – e reflexões sobre a importância da educação e da igualdade de gênero defendidas por Malala e se debruça sobre uma guerra internacional a qual não o mundo não esquecer. "Eu conto minha história não porque ela é única, mas porque ela não é única", defende a garota. E os fatos recentes reiteram isso.
ENTREVISTA // MARCELO MEDEIROS*
Qual reflexão um filme sobre Malala pode trazer em meio aos ataques à França?
O que provoca de reflexão é a possível reação que aparentemente já está sendo colocada em prática nos países europeus em respeito à onda de imigração que ocorre com maior intensidade desde o início do ano. Há uma série de cidadãos de estados islâmicos que vem sendo perseguidos em seus países, especialmente minorias, notadamente as mulheres.
Qual a importância de uma personagem como Malala para a paz entre o mundo ocidental e oriental?
Malala tem um poder simbólico muito forte. Eu acredito que o papel dela é de ponte. Ela representa a luta que está sendo levada a cabo, de uma forma geral, pelos cidadãos que se encontram sob a tutela de governos islâmicos mais ortodoxos e, mais especificamente, no que diz respeito à situação das mulheres e crianças do sexo feminino que praticam o islã de forma radical.
Existe uma confusão entre islamismo e terrorismo. Por que os conceitos não devem ser misturados?
É muito importante fazer essa diferenciação. O islamismo, como religião, tem os atores radicais e os não radicais. Temos visto várias manifestações no mundo e na França condenando os ataques. Líderes de comunidades muçulmanas na França têm se pronunciado.
* Marcelo Medeiros é livre-docente em ciência política pelo Institut d'Études Politiques de Paris (Sciences Po), professor associado de política internacional da UFPE e pesquisador PQ-1D do CNPq e ex-titular da Cátedra Rio Branco de Relações Internacionais da University of Oxford.