No dia 17 de dezembro, milhares de fãs deverão lotar as salas de cinema para conferir a estreia de 'Star wars: O despertar da força', o sétimo filme da saga e o primeiro desde que a Disney assumiu o controle da marca. Independentemente da qualidade do filme, após a sessão, muitos espectadores estarão frustrados. Ou melhor, eles já estarão frustrados antes mesmo de o icônico letreiro amarelo começar a rolar na tela.
É que, embora tenham comprado avidamente seus ingressos dois meses antes da estreia (quando teve início a venda antecipada de bilhetes), esses fãs já estão decepcionados com os rumos da saga há muito tempo.
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Eles são o tipo de aficcionado por Star wars que absorveu o máximo de conteúdo publicado sobre esse mundo de fantasia, entre livros, séries de TV, jogos eletrônicos e outras mídias. São os fãs do chamado Universo Expandido (UE).
O Universo Expandido de Star wars começou em 1978, com a publicação do romance 'Splinter of the mind’s eye', de Alan Dean Foster. O livro foi lançado antes de o segundo filme da trilogia original, 'O império contra-ataca', chegar aos cinemas, em 1980. O objetivo era justamente contar a história de Luke e Leia no período entre as duas produções.
Com o passar dos anos e a colaboração de diversos autores, o UE se enriqueceu de detalhes. Mas a diversidade de visões sobre a mesma ambientação criou conflitos de continuidade inevitáveis entre uma obra e outra. Em busca de uma cronologia histórica “verdadeira”, foi criada a definição de cânone: aquilo que se encaixava melhor com outras obras e era coerente com o “sagrado” dos filmes foi considerado cânone. O que se desviava disso não entra na história “verdadeira” de Star wars.
QUIZ: Teste seus conhecimentos sobre o Universo Expandido de Star Wars
Naturalmente, o Universo Expandido se tornou uma expansão da experiência de Star wars, a barreira que, uma vez cruzada, transformava um mero fã da saga cinematográfica em algo mais: uma autoridade no tema. E, sim, são esses os fãs que irão assistir a 'O despertar da força' com um olhar amargo e sentem algum desprezo pelo tipo de fã de Star wars que nunca ouviu falar dos Yuuzhan Vong.
O DIA EM QUE O UNIVERSO EXPANDIDO CAIU!
Tudo mudou no dia 25 de abril de 2014, quando a Disney informou em nota para a imprensa que os próximos filmes de Star wars não iriam levar em consideração a continuidade estabelecida pelo Universo Expandido (UE). Mais tarde, foi confirmado que o UE como um todo não era mais considerado cânone.
Para o tipo de fã “autoridade no assunto” foi o equivalente do mundo real à Ordem 66 – quando o Imperador Palpatine começa o expurgo dos Jedis, no fim do Episódio III. Hérois e vilões favoritos como Mara Jade, Kyle Katarn e o Almirante Thrawn tiveram um destino muito pior que a própria morte: na continuidade oficial de Star wars, eles simplesmente nunca existiram, assim como outros 17 mil personagens do UE. A decisão enfureceu quem investiu anos para desbravar uma história que, teoricamente, não faz mais nenhum sentido.
É fácil entender as razões da Disney para eliminar o conteúdo do UE da cronologia oficial de Star wars. Muitas das histórias após o Episódio VI já foram contadas em livros, videogames e quadrinhos, principalmente aquelas que envolvem Luke, Han e Leia. Era preciso abrir espaço para novas possibilidades, sem ter que se preocupar com prováveis conflitos de continuidade com o trabalho de outras dezenas de autores.
Além disso, mesmo com as definições apuradas do que é ou não cânone e do que faz ou não sentido na continuidade, muito do Universo Expandido estava abaixo do que pode ser considerado um padrão de qualidade de Star wars. Consagrada como a melhor sequência para os filmes, a trilogia de Thrawn, lançada nos anos 1990 por Timothy Zhan, apresenta Luuke Skywalker, um clone maligno do Jedi Luke Skywalker, mas com ‘u’ extra no nome, definitivamente um ponto baixo nesta série de romances.
MARVEL Mas é claro que a principal razão para a guerra da Disney ao Universo Expandido é que, após comprar todos os direitos de Star wars, a empresa quer controle total sobre a franquia, maximizando seu potencial de lucro. Com quase 30 mil páginas de quadrinhos publicados, a Editora Dark Horse Comics foi fundamental na criação e manutenção coletiva do Universo Expandido. Mas, agora, a nova linha de HQs está sob o comando da Marvel, que também pertence à Disney e naturalmente não levará em conta nada do que já foi feito por sua antecessora quando criar suas próprias histórias.
O mesmo vale para os livros, jogos de RPG e jogos eletrônicos da franquia – alguns foram cancelados pouco antes do lançamento. O comando centralizado da Disney será bem mais estreito do que ocorria com a Lucasfilm, que licenciava a marca com relativamente pouco controle para uma diversidade de autores.
Assim como a regra passa a valer para a Disney a partir de agora, o objetivo secundário da Lucasfilm com o Universo Expandido era saciar o desejo incessante dos fãs por mais conteúdo. O objetivo primário era e sempre foi transformar a devoção à saga em dinheiro.
Talvez por isso, mesmo tendo “anulado” os eventos do UE, a Disney continua vendendo produtos dele, agora sob a marca Legends, colocando em evidência que se trata de conteúdo produzido antes de abril de 2014. Novidades como o romance Tarkin, que conta a história do comandante das forças militares do Império Galático, e o jogo Battlefront chegam sem o rótulo Legends – já fazem parte do novo cânone de Star wars.
QUEM ATIROU PRIMEIRO?
O conflito entre os fãs de Star wars e os detentores da marca não começou com o expurgo da Disney em abril de 2014, apesar de este ter sido um evento bem significativo nesta história. Talvez a melhor data para marcar o começo da briga seja janeiro de 1997, quando, ao comemorar os 20 anos do lançamento do primeiro filme, George Lucas remasterizou e modificou a trilogia original em alguns detalhes.
Algumas mudanças, proporcionadas por novos efeitos digitais e um pouco de computação gráfica, eram mínimas. No entanto, uma das alterações gerou uma reação enfurecida de fãs. No filme de 1977, quando um caçador de recompensas cobra uma dívida de Han Solo, o anti-héroi contrabandista surpreende todos e executa seu adversário a sangue-frio, na mesa de um bar. Depois, joga uma moeda para o garçom no balcão e diz: “Desculpe pela bagunça”, caminhando com calma para a saída.
Essa cena, logo no começo do filme, mostra bem o caráter do personagem: um fora da lei inescrupuloso. Em 1997, uma edição feita com técnica questionável acrescenta um disparo da vítima de Han Solo antes de este atirar, dando um ar de legítima defesa ao confronto. Até hoje a frase ''Han shoots first'' (Han atira primeiro) é um meme entre os fãs que não aceitam a mudança, mantida nas duas edições seguintes, para mostrar Solo como o segundo a disparar.
ATRITO Um outro grande momento de atrito foi na chegada da chamada nova trilogia, os episódios I-III. O próprio George Lucas havia estabelecido limites claros no Universo Expandido antes desses filmes: nenhum poderia falar sobre as Guerras Clônicas, a origem de Darth Vader e a história do Imperador Palpatine. Mas, quando o 'Ataque dos clones' estreou e ficou patente que Bobba Fett era, na verdade, um clone de seu pai, Jango Fett, instantaneamente várias histórias sobre o passado do mercenário ficaram irrelevantes.
O curioso é que, apesar de vender muitos bonequinhos, Fett é relativamente pouco importante na trilogia original. Talvez por reconhecer o carisma do personagem, George Lucas deu a ele um significado maior nos novos filmes. Fato é que o criador de Star wars não ligava muito para o Universo Expandido, como ele mesmo disse em uma entrevista em agosto de 2005 para a revista Starlog:
“Não leio essas coisas. Não li nenhum dos romances. Não sei nada sobre esse mundo. É um mundo diferente do meu, mas tento manter a consistência. Faço isso hoje com a Star wars encyclopedia (hoje, Wookiepedia). Então, se venho com um nome ou algo mais, busco e vejo se já foi usado”, afirmou.
AINDA EXISTE UMA ESPERANÇA
O fim do Universo Expandido foi um golpe duro para muita gente. Mas, apesar do tom imperativo da decisão, é bem provável que o que venha por aí tenha relações com o cânone agora extraoficial. A própria Disney admitiu que pode usar como referência algo do que já foi criado em projetos futuros e, por ter comprado tudo, ela pode de fato desmembrar personagens e fatos para criar novas histórias.
Outra esperança é a presença de John Jackson Miller como autor do livro 'Um novo amanhecer'. O romance foi lançado em setembro de 2014 como prólogo da série de TV 'Star wars: Rebels' e faz parte do novo cânone. Miller é um conhecido colaborador do UE, autor de várias obras, como os quadrinhos de 'Knights of the old republic' para a Dark Horse e o romance 'Kenobi' – um dos últimos trabalhos do UE antes de abril de 2014.
DARTH VADER Por fim, esses fãs de Star wars, que sempre devoraram muito mais conteúdo do que George Lucas foi capaz de produzir, têm também motivos para comemorar, agora que a criação se desprendeu das correntes do seu criador. Para ele, a história inteira já havia sido contada e não havia possibilidade de surgir um novo filme.
“Definitivamente, não haverá episódios VII, VIII e IX. Isso porque não há história alguma. Nunca pensei em nada. Temos romances sobre eventos após o episódio VI, que definitivamente não são o que eu teria feito. A história de Star wars é a tragédia de Darth Vader. Essa é a história. Uma vez que ele morre, não volta à vida, o Imperador não é clonado e Luke não se casa…”, decretou Lucas numa entrevista para a revista Total Film, em maio de 2008.
O projeto de George Lucas era que, mesmo após a sua morte, não fossem feitos filmes para o episódio VII. No dia 17 de dezembro, com a estreia de 'O despertar da força', os fãs poderão ir além do que ele havia planejado para a sua história e, mesmo que não seja a primeira vez para alguns, certamente será uma data especial.