Entre as 2.957 salas de cinema instaladas no Brasil hoje, 119 se encontram na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Mas o que aparenta ser um parque exibidor até razoável, considerando todo o território nacional, engana. Foi-se o tempo em que o mercado mineiro era um dos mais importantes do Brasil.
“É um parque exibidor muito fraco, incipiente em relação à tradição. Belo Horizonte sempre foi uma cidade de verdadeiras catedrais cinematográficas”, afirma Paulo Sérgio Almeida, diretor do site Filme B, especializado na coleta e análise de informação sobre o mercado cinematográfico. “A gente já não considera uma das principais cidades. Os filmes não têm um desempenho excepcional, mas têm um público”, diz Bárbara Sturm, da distribuidora Pandora Filmes. “O pessoal daí gosta mais de barzinho do que de cinema”, constata o distribuidor Jean-Thomas Bernardini, da Imovision.
A capital mineira ocupa hoje a 43ª posição no ranking nacional de habitantes por sala de cinema. Está atrás, por exemplo, de municípios do interior de São Paulo, como Barueri e São José do Rio Preto, e até mesmo da sul-mineira Poços de Caldas. A frequência média do público belo-horizontino ao cinema é de 0,7 ao ano, ou seja, menos de uma vez, enquanto a média nacional é 2,19 vezes ao ano.
A primeira capital da lista é Porto Alegre, com 74 salas e média de 19 mil habitantes, seguida por Florianópolis (21 mil habitantes por sala) e Curitiba (23 mil habitantes por sala). Segundo dados do Filme B, Belo Horizonte tem média de 29 mil habitantes por sala. O dado nacional é ainda pior: são 72 mil habitantes por sala de cinema.
Os números apontam pelo menos dois caminhos para análise sobre o que ocorre com o circuito mineiro. A escassez de salas no Brasil é crônica. Para além dessa primeira barreira, há o caso do cinema independente – seja ele nacional ou estrangeiro – que tem um circuito exibidor ainda mais limitado. Das 119 salas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, apenas oito (Cine Belas Artes, CentoeQuatro e Net Ponteio) abrem espaço para a produção que se distancia dos blockbusters.
Nesse nicho, disputam espaço tanto o novo filme em 3D de Jean-Luc Godard, Adeus à linguagem e os demais títulos que circularam por festivais cultuados por cinéfilos, como Cannes, Berlim e Veneza, como a maior parte da produção nacional. Segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), no ano passado foram lançadas 114 produções nacionais.
A luta é em igualdade de condições para filmes estrangeiros – excetu-ando os blockbusters americanos – e nacionais. Nesse balaio, encaixam-se, por exemplo, produções como os brasileiros Branco sai, preto fica (2014), de Adirley Queirós, Casa-grande (2014), de Fellipe Barbosa, Permanência, de Leonardo Lacca (2014), e Sangue azul (2014), de Lírio Ferreira, que apenas piscaram nas telas da capital mineira.
Na lista dos que foram prometidos e sequer deram o ar da graça, por aqui estão O gorila, de José Eduardo Belmonte, Tudo por amor ao cinema, de Aurélio Michiles, Las insoladas, do argentino Gustavo Taretto (diretor de Medianeras) e o vencedor da Palma de Ouro em Cannes Winter sleep (Turquia, França, Alemanha, 2014), de Nuri Bilge Ceylan.
FILA
A lógica que regula quem sai ou quem fica em cartaz é matematicamente cruel. De acordo com o exibidor Adhemar Oliveira, o público do ano anterior determina o percentual de corte. Divide-se o total de espectadores por 52 semanas para se ter a média.
Segundo ele, a ocupação de 40% é considerada boa. Para que um longa continue a ser exibido sem gerar prejuízo, precisa atingir no mínimo esse percentual. No caso do Belas Artes, de propriedade de Oliveira, na sala 1, que tem 138 lugares, é necessário um público médio de 55 espectadores. “Nos momentos de maior crise, as regras se flexibilizam. Um filme ajuda o outro. É muito complexo”, afirma o exibidor.
Há aproximadamente um ano e meio ele reassumiu a administração do único cinema de rua da capital mineira. Também responsável por salas em São Paulo, Oliveira observa que as dificuldades são gerais. “Aí houve uma diminuição de um circuito dito alternativo”, ressalta.
Quando um filme vai bem, ele segura a fila. “Que horas ela volta? está indo muito bem, como O dia do Galo também foi. Aí vem a turma dos novos que precisa esperar. Tenho que ficar fazendo as vezes de todo mundo”, diz o exibidor. A espera gera desconforto. “O circuito é pequeno, tem um padrão de atuar. Não é que a gente não coloque o filme porque não quer”, justifica-se.
Na opinião do executivo da Imovision, “o Belas Artes não é suficiente e, às vezes, tem programação equivocada. Aí vira um caos para a cidade. Não está sendo bom”. A distribuidora de Jean-Thomas Bernardini é responsável por lançar no Brasil títulos como Dior e eu e Love 3D, que recentemente ocuparam as telas do Ponteio.
Responsável pela programação da única sala do Cine CentoeQuatro, Daniel Queiróz diz que sempre se questiona sobre qual é a particularidade de Belo Horizonte. Mesmo que o circuito alternativo seja restrito, há também alguma questão relacionada às preferências do público? “(O público) está diminuindo. A impressão que eu tenho é de que antigamente sempre havia uma renovação na cinefilia. Percebo que o público mais jovem não está ligado em ir ao cinema. É um cinéfilo que já vem com outra cultura de ver filmes e não tem a preocupação de ver na sala de cinema”, afirma Queiróz.
Para ele, além do fácil acesso a novas janelas, o aumento da oferta cultural da cidade é outro aspecto dessa questão. “O cinema passa a ser um programa mais eventual. É mais uma opção entre várias outras”, afirma. A avaliação do programador é que as salas dedicadas aos filmes alternativos às superproduções tendem ao desaparecimento. “Acho que sobreviverão as salas bem comerciais, as públicas ou subsidiadas por lei de incentivo.”
Como o Cine 104 está instalado dentro de um centro cultural, Queiróz diz “se dar o luxo” de programar filmes desprovidos de apelo popular. Ele exibiu recentemente, por exemplo, Dois casamentos, novo longa de Luiz Rosemberg Filho. “Já programo sabendo que não vai dar quase nada”, reconhece.
Hoje, no 104, a arrecadação da bilheteria é suficiente para arcar com apenas 15% das despesas. O momento, no entanto, é extraordinário. Os números de Que horas ela volta?, de Anna Muylaert, em cartaz no local, surpreendem. “Está sendo um blockbuster para nós”, conta.
BH NÃO VIU
Confira filmes que estrearam este ano em outras cidades e não na capital mineira
Club Sandwich (México, 2013), de Fernando Eimbcke
Damas do samba (Brasil, 2015), de Susanna Lira
Infância (Brasil, 2015), de Domingos Oliveira
Jauja (Argentina/Brasil, 2014), de Lisandro Alonso
Las insoladas (Argentina, 2014), de Gustavo Taretto
Meia hora e as manchetes que viram manchete (Brasil, 2014), de Angelo Defanti
Na próxima, acerto no coração (França, 2014), de Cédric Anger
Numa escola de Havana (Cuba, 2014), de Ernesto Daranas
O gorila (Brasil, 2012), de José Eduardo Belmonte
Retorno a Ítaca (França, 2014), de Laurent Cantet
Winter sleep (Turquia, França, Alemanha, 2014), de Nuri Bilge Ceylan