O primeiro longa da carreira de Marcelo ('Cinema, aspirinas e urubus', de 2005) começa ao som de Serra da Boa Esperança, canção de Lamartine Babo dedicada à cidade de Boa Esperança, no Sul do estado. O filme foi montado em Belo Horizonte por Karen Harley. 'O homem das multidões' (2013), seu trabalho mais recente – parceria com o mineiro Cao Guimarães –, foi rodado e montado na capital. Agora chegou a vez de 'Joaquim', o quinto longa da carreira de Gomes e terceiro com ligações mineiras.
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O projeto nasceu há sete anos, quando Marcelo foi procurado por um produtor espanhol à frente de uma série audiovisual para comemorar a independência de países latino-americanos. De cara, o brasileiro avisou: só toparia se tivesse liberdade total, pois não lhe interessava reforçar o mito. O desafio era descobrir o homem – o Joaquim, simplesmente. “Seria a construção da consciência política desse personagem, mas imaginando onde pulsava o coração dele”, conta. A Espanha enfrentou dificuldades financeiras e o planejamento inicial foi para o brejo, mas o diretor decidiu levar o projeto adiante.
Ao voltar para Belo Horizonte depois de passar duas semanas no set, Marcelo Gomes exibia um sorriso feliz por concretizar o que imaginou durante tanto tempo. “Diamantina foi uma maravilha. Fiquei encantado com a cidade, a geografia e a arquitetura. Aquela tranquilidade foi muito boa para o processo de imersão da equipe”, conta.
Mas se Tiradentes é o protagonista, por que filmar em Diamantina e não em Ouro Preto? “Cheguei a considerar Ouro Preto. Visitei a cidade, que tem uma arquitetura incrível, mas o entorno de Diamantina oferece a diversidade de paisagens de que o filme precisa”, explica. A história se passa no seculo 18, 10 anos antes da Inconfidência Mineira. O alferes Joaquim é enviado para uma expedição pelo sertão. Na época, a colonização modificava o interior do país: surgiam os primeiros núcleos urbanos, a extração do ouro determinava o funcionamento da sociedade. “A região de Minas virou uma babel de culturas e línguas. A partir dali foram se constituindo as primeiras vilas e as relações sociais”, aponta Marcelo.
'Joaquim' é uma coprodução brasileira e portuguesa. Do orçamento de R$ 2 milhões, R$ 1,6 milhão já foram captados. O valor é considerado baixo para um filme de época com tamanho elenco. “Teremos umas 100 pessoas com fala”, contabiliza. Os testes para atores levaram oito meses.
A outra escolha estética foi a câmera na mão. Gomes assume: procurou rodar quase um documentário de época para falar daquele universo colonial, mas sem glamourizá-lo. “Quis me aproximar do Joaquim. Ele ama, odeia, faz coisas certas e erradas. É uma personalidade contraditória e complexa”, diz. A fotografia ficou a cargo de Pierre de Kerchove ('Terra deu, terra come' e 'Hoje eu quero voltar sozinho').
“A decisão sobre a equipe, a respeito do que filmar e da paleta de cores vai muito em cima do que o personagem me diz e do que quero apresentar dele”, reforça o cineasta. Para isso é imprescindível ter equipe afinada. Marcelo trabalha com artesania de ensaios muito parecida com a do teatro. A preparação do elenco levou um mês. “Ensaio muito para depois desconstruir e chegar a um naturalismo quase documental”, resume. Um dos desafios foi sintonizar atores e não atores. “A gente queria imprimir uma cara de época. Cada um trazendo o seu sotaque. Convidamos portugueses filhos de africanos que sabem falar dialetos da África. O índio também fala dialeto indígena. A babel de línguas é um elemento importante”, destaca.
'Joaquim' começa a ser montado no início de outubro pelo português Paulo Rebelo, mas Gomes não parece ter pressa. “Estou muito feliz com o trabalho. Foi uma dedicação muito grande. O interessante era a gente se apropriar da história para imaginar, construir uma biografia não autorizada e um pensamento da época. Queria que olhássemos para a história, para a nossa formação social e entendêssemos um pouco mais sobre nós mesmos. Quis desconstruir o mito e construir um Joaquim qualquer, com suas contradições e questões não resolvidas, vivendo num tempo que tinha sua própria ética”, conclui.