O realismo mágico pintou na tela do Cine Brasília com 'A Família Dionti', de Alan Minas, primeiro concorrente da mostra competitiva da 42ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Vem sob a forma de uma história pastoril, ambientada no interior de Minas Gerais e escrita pelo próprio diretor. Fala de uma família de pé quebrado, pela ausência da mãe. O pai, vivido pelo ator do Grupo Galpão Antonio Edson, e mais os garotos adolescentes Kelton (Murilo Quirino) e Serino (Bernardo Lucino). A eles se junta uma garota, Sofia (Anna Luiza Paes Marques), que diz ter vindo com um circo e se torna objeto do amor de Kelton. Ele se derrete por ela, literalmente, a ponto de ficar com o "coração encharcado", segundo diagnostica o médico charlatão, papel de Gero Camilo. Outras situações desse tipo se repetem pelo filme, mas com parcimônia.
Fica mais na memória o frescor da narrativa. Ambientado em cidades como Recreio, Miraí e Itamarati, o longa é apoiado pelo Polo de Cinema de Cataguases, terra cinematográfica do grande Humberto Mauro (nascido, porém, em Volta Grande). O diretor quis imprimir um clima de interior, com direito a sanfona, rabeca e viola na trilha sonora, além de elenco local, com prosódia da região. E mais uma luz bucólica.
Apesar de tanta mineiridade, e de ter Minas no nome, Alan é carioca. "Mas muito influenciado pela literatura de Guimarães Rosa. Fiquei encantado quando li pela primeira vez 'Grande Sertão: Veredas'. Quando o reli, reparei o quanto de humor e fantasia existem na prosa de Guimarães." Também faz parte do seu elenco de influências o mato-grossense Manoel de Barros, com sua poesia repleta de elementos mágicos no contato com a natureza.
No âmbito cinematográfico, Alan se diz fã dos diretores nordestinos, o cearense Karim Aïnouz e o pernambucano Marcelo Gomes. Além do iraniano Abbas Kiarostami. "Adoro quando o espectador é convidado a adivinhar o que está fora do quadro. A completar o que está sendo mostrado. Acho que a incompletude é o que faz a força de um filme", diz.
Nesse sentido, ele procura trabalhar sem plano e contraplano, valorizando a presença dos atores nos diálogos. Prefere também planos-sequência (sem cortes), que privilegiam a duração das cenas em detrimento de cortes muito rápidos e fragmentados. São opções estéticas que realçam uma opção mais contemplativa, pastoril, quase fora do tempo. Intuímos que a ação se passa nos anos 1970 pela presença de um pôster da seleção brasileira campeã no México. Mas há em cena veículos dos anos 1980 e, em certa altura, um dos personagens usa um celular. Mistura de tempos? Erros de cronologia? Melhor que se pense na aposta em uma poética do intemporal em que as épocas se misturam e convivem.
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Dois bons curtas deram início à competição neste formato. Em 'Command Action', de João Paulo Miranda Maria, temos a narrativa bastante rarefeita de um menino que deseja comprar um desses robôs de brinquedo numa feira livre.
Ambientado no interior de São Paulo, faz bom cinema de observação dos usos, sotaques e costumes. Tudo isso, claro, só adquire sentido no quadro da trama proposta.
Já 'À Parte do Inferno', de Raul Arthuso, bebe em algumas referências contemporâneas - de 'O Som ao Redor' (de Kléber Mendonça) a 'Trabalhar Cansa' (de Marcos Dutra e Juliana Rojas). No fundo, busca a estética e a temática de John Carpenter, um dos gurus da nova geração. No quadro proposto, um garotinho e sua mãe que moram sós, uma mancha de umidade que teima em crescer, enquanto a casa se vê cercada por uma estranha multidão. Tem clima e tem ambição.