Cinema

Carlos Nader 'invade' a vida de caminhoneiro para discutir filosofia

'Homem comum' levou 20 anos de trabalho do diretor paranaense

Carolina Braga

O paranaense Nilson de Paula é o caminhoneiro-filósofo que conduz o cineasta carioca Carlos Nader pelas estradas brasileiras
A primeira cena de 'Homem comum', de Carlos Nader, mostra o paranaense Nilson de Paula e a filha, Liciane, desfrutando de um pacato piquenique. Ali estão dois cidadãos simplórios. À medida que o filme avança, o clima da conversa esquenta. Não apenas o diretor Carlos Nader surge na tela, como a câmera se revela personagem fundamental. Ela é mais do que mero instrumento para narrar aquela história.


Considerado discípulo de Eduardo Coutinho (1933-2014), o documentarista mais importante  do país, Nader dedicou 20 anos a esse projeto, que ganhou o prêmio de melhor filme na edição do ano passado do festival É Tudo Verdade. Tudo começou quando o inquieto Nader decidiu compartilhar questões filosóficas com caminhoneiros. A ideia inicial era percorrer postos de gasolina para perguntar a eles qual o sentido da vida. Mas lá estava Nilson de Paula, sujeito simpático, sensível às experimentações e inquietações do diretor.


“No documentário, é importante você estar aberto ao imponderável que a realidade te dá”, afirma Carlos Nader. 'Homem comum', então, é uma costura: traz cenas cotidianas de Nilson, a relação dele com a família e com o trabalho e, logicamente, o que pensa sobre o absurdo da vida, a falta de sentido da existência.

Há muita experimentação nessa narrativa. Carlos Nader trança ficção e realidade o tempo inteiro. Enquanto testemunha o envelhecimento de Nilson e de sua família, o filme dialoga com o clássico do diretor dinamarquês Carl Dreyer 'A palavra (Ordet)', lançado em 1955. “A razão que me fez colocar as cenas do Dryer foi quase uma obsessão”, confessa o cineasta.

As duas “realidades” se fundem. Quando o diretor mostra uma passagem na vida de Nilson, logo surgem os personagens em preto e branco da criação de Dryer, seja vivendo situação semelhante ou propondo uma discussão em comum.

“O filme fala sobre si próprio. É uma necessidade colocar ali reflexões sobre o ato de filmar, a relação do homem com a câmera e também sobre a questão ética. Corremos riscos dos dois lados: de ser ético de menos ou de mais. A ética tem que ser o piso, abaixo dele você não passa. Não pode ser teto, senão vira uma espécie de moralismo artístico”, argumenta Nader.

Ao misturar dois filmes, é como se ele perguntasse ao espectador: afinal, o quanto de ficção pode haver em um documentário e vice-versa? “A própria divisão entre ficção e realidade é falha. Está bem caduca em função dos fatos e da rapidez com que as coisas acontecem hoje”, critica Nader.

Como as cenas de 'Homem comum' foram gravadas ao longo des duas décadas, há muitos formatos e texturas misturados na tela. O roteiro é fruto do processo de montagem. Lidando com o real, a forma como Nader decidiu contar a história do Nilson faz do espectador testemunha de reviravoltas próprias da vida.

“O cinema tem poder hipnótico. Você esquece que aquilo é representação e também vive aquilo como realidade. Quanto mais intensa é essa vivência, mais real ela é, independentemente de ser ficcional ou não”, conclui o discípulo de Eduardo Coutinho.

HOMEM COMUM
Direção: Carlos Nader. 80min. Sessões às 19h30, no Belas 2
(Rua Gonçalves Dias, 1.581, Lourdes). Ingressos: R$ 15 (segunda, terça e quinta-feira), R$ 13 (quarta-feira) e R$ 17 (de sexta-feira a domingo). Informações: (31) 3273-3229