Desta vez, Allen não lida com nenhuma socialite consumista e fracassada, como fez em 'Blue Jasmine' (2013). A crítica é, de certo modo, até oposta. A ferida está justamente em quem é desapegado do material, mas passa a vida acumulando conhecimento: quem pensa demais e faz de menos. De que vale tanta racionalidade?
Joaquin Phoenix protagoniza a história de Abe, um professor de filosofia em crise existencial. Citando de Kant a Hannah Arendt, passando por Simone de Beauvoir e Heidegger, Abe busca na ciência respostas para questões transcendentes. Abatido pela crise pessoal, Abe se muda para uma cidade pequena, onde vai trabalhar como professor colaborador da universidade local.
A professora Rita (Parker Poseye) e a melhor aluna Jill (Emma Stone, em mais uma boa colaboração com o diretor) são as únicas com quem consegue ter uma relação minimamente próxima. Mesmo assim, nada parece ter graça, até o dia em que escuta uma conversa alheia e resolve mudar de vida.
Numa corriqueira mesa de lanchonete, o homem que dedicou a vida à razão decide aderir à irracionalidade. Abe está decidido a matar alguém para vingar uma desconhecida. A escolha de abandonar a esfera do pensamento e passar para a ação – por mais absurda que ela seja – faz com que o professor conclua que “a vida tem o sentido que você escolhe para ela”. A dele, naquele momento, era fazer justiça com as próprias mãos.
O flerte com o gênero policial faz Woody Allen acelerar o ritmo, mas sem abrir mão do jazz – onipresente – na trilha sonora. O som, assim como as bucólicas cenas de cidade do interior, contribuem para ressaltar o contraste entre a calma aparente do mundo exterior e a turbulência interna de Abe.
Joaquim Phoenix não poderia ser escolha melhor. Abe tem um quê de Theodore, o protagonista de 'Ela' (Spike Jonze, 2013), um olhar melancólico que ganha brilho com a transformação do personagem. Já Emma Stone é a bola da vez para o papel feminino de Woody Allen – o da mulher bonita, inteligente e figura-chave para virar o jogo. A atriz, que já conquistou atenção com 'Histórias cruzadas' (2011), 'O espetacular Homem-Aranha' (2012) e 'Birdman' (2014), demonstra que tem estofo para mais do que lhe tem sido oferecido.
'Homem irracional' tem bom argumento, mas se perde no próprio desenvolvimento. A nova produção é mais uma da safra mediana do diretor de obras-primas como 'Meia-noite em Paris' (2011) e 'Ponto final: Match Point' (2006), para citar produções mais recentes. Quem cumpre a marca de fazer um filme por ano não tem como ser sensacional sempre. De Woody Allen, há que sempre esperar que o melhor está por vir.